05 ago, 2022 - 20:15 • Rosário Silva
Numa altura em que Portugal atravessa uma das piores secas do século, o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC) quer ajudar a combater a fuga nas redes de distribuição de água, recorrendo, para o efeito, à inteligência artificial.
Através da já existente FLOW Water, uma plataforma de monitorização de sistemas de abastecimento de água, com esta nova funcionalidade, o ISEC pretende cruzar medições de pressão com o cadastro da rede, utilizando algoritmos de inteligência artificial.
“Não só vamos indicar quais são as redes mais problemáticas, as que perdem mais água, mas, com base na instalação de sensores de pressão na rede, no uso de softwares se simulação e na aplicação de ferramentas de inteligência artificial, vamos tentar dar a indicação às entidades gestoras de, onde naquela rede, deve ir procurar as fugas, porque aquela é a localização mais provável dessas fugas”, indica à Renascença, o professor Joaquim Sousa, responsável pelo projeto.
O docente lembra que a pesquisa de fugas é “uma coisa muito laboriosa e custosa em termos de tempo”, além de que as redes têm muitas condutas, perdendo-se muito tempo a pesquisar eventuais fugas.
“Se nós conseguirmos dar a indicação, já com alguma precisão, onde se deve ir procurar, naquele local específico, vamos conseguir ser muito mais eficientes”, explica.
As fugas de água são, de resto, um problema em cerca de 80% do território nacional. Só em 2020 perderam-se 173,5 milhões de metros cúbicos de água em Portugal.
As informações conhecidas, referem que os concelhos mais pequenos apresentam perdas a rondar os 40% e os 60%, valores muito longe dos menos de 20% traçados como objetivo por muitos municípios portugueses.
Já em concelhos maiores, como Lisboa, Porto ou Coimbra, as perdas oscilaram entre os 15% e 25% de água nas redes de distribuição.
“Em Portugal, a água que se perde nas redes de distribuição, em média, é na ordem dos 30%, oscilando entre valores na ordem dos 10% até aos 80%. Ou seja, a entidade gestora refere que este número pode atingir os 80%”, indica o também coordenador do ISEC na área de hidráulica.
“Mas mesmo a média dos 30%”, exemplifica, “significa que em cada três litros de água que utilizamos, apenas dois chegam ao destino final, ou seja, há um litro que se perde, o que é uma proporção muito grande”.
O responsável considera prioritário “combater este cenário”, sobretudo em zonas onde a água já é escassa, correndo-se “o risco de ter que cortar o abastecimento às populações por falta de água”, porque se está a desperdiçar este bem.
Na sua génese, a plataforma FLOW Water apenas conseguia identificar a existência de fugas de água, mas não a sua localização.
“Como cada rede abastece várias ruas, ao medir o caudal dessa rede os utilizadores da aplicação percebiam que se estava a perder água, mas não sabiam exatamente onde ao longo de quilómetros de condutas”, refere uma nota do ISEC, enviada à Renascença.
O aperfeiçoamento da aplicação vai, assim, ajudar a localizar fugas de água, “o que contribuirá para combater as perdas de água, melhorar a gestão dos recursos hídricos e atenuar os efeitos da seca”, é referido.
Experimentada a nível académico, a nova funcionalidade foi aplicada em redes reais, assegura o professor, mas a ideia é que saia do laboratório logo que esteja devidamente testada.
“O conceito já foi desenvolvido, foi experimentado em laboratório e testado em redes reais e os resultados foram promissores. O que pretendemos fazer, agora, é introduzir isto na plataforma que é usada por entidades gestoras, de forma que fique ao alcance de todos para poder melhorar a sua performance em termos de combate às perdas de água”, acrescenta Joaquim Sousa, que aponta para mais “alguns meses” até que esteja tudo funcional.
Neste projeto, o ISEC faz parceria com a ENSO, uma empresa tecnológica de Coimbra que criou a aplicação.
O cenário é preocupante. O país atravessa uma vaga(...)
A eficiência dos serviços de águas em Portugal é o mote para um congresso que está a ser preparado pelo ISEC, para se concretizar no próximo mês de outubro.
No “Urban Water Summit” vão ser debatidas questões relacionadas com perdas de água nos sistemas de abastecimento público, com afluências indevidas aos sistemas de saneamento e, também, com a eficiência energética dos dois tipos de sistemas.
O evento servirá, também, para que empresas e municípios partilhem experiências, sejam apresentadas novas soluções e boas práticas de gestão dos recursos hídricos.
“Queremos desenvolver fortes ligações de trabalho com instituições de ensino superior com elevada capacidade científica, como o ISEC”, diz Carlos Ramos, CEO da ENSO, empresa envolvida neste projeto e que marca presença no congresso.
“O ISEC possui competências chave para otimizar produtos tecnológicos que são essenciais para apoiar a gestão eficiente da água no nosso país”, realça o gestor, para quem, “o investimento em novas tecnologias, como a investigação em ‘big data’ e a criação de algoritmos de inteligência artificial, conferem um grande potencial a esta parceria”.