15 set, 2022 - 07:20 • Ana Carrilho
Dez equipas foram escolhidas para participar na 3.ª edição do Bootcamp da plataforma Patient Innovation, que decorre até ao início de outubro.
Este é um programa de aceleração que ajuda cuidadores e doentes a desenvolver as suas propostas criadas para responder aos problemas de saúde que enfrentam diariamente.
A primeira etapa decorreu na NOVA SBE, em Carcavelos, e a Renascença conheceu alguns dos projetos.
Debby Marchena é deficiente visual e usava uma bengala guia normal. Há uns anos, quando atravessava a rua, foi atropelada no escuro e com mau tempo. O condutor não a viu.
Foi depois que pensou que se tivesse uma bengala branca luminosa, provavelmente, o condutor podia tê-la visto à distância e evitado o atropelamento. Como essa bengala não existia, decidiu criá-la. À Renascença conta que teve a ajuda de muita gente e os mais empenhados foram alguns professores e alunos da Universidade de Roterdão.
Responderam ao desafio da Professora Helma Kaptein que, desde há seis meses, também integra a equipa da Lightupcane, e criaram diversos modelos de bengalas.
“Alguns protótipos eram fantásticos, outros nem tanto. Mas foi uma grande aprendizagem para os estudantes, poderem trabalhar em algo que é uma necessidade real para muita gente, não só na Holanda, mas em todo o mundo.”
Debby já tem o seu protótipo e agora o papel de Kaptein é ver como é que a bengala pode ser produzida em larga escala e chegar a um grande número de pessoas com deficiência visual, a um preço acessível ou que de alguma forma, seja comparticipado.
“O que precisamos é de tornar realidade o sonho de Debby: que estas pessoas se tornem mais visíveis para os outros a uma maior distância e se sintam mais seguras quando andam na rua e no meio do trânsito”, diz a docente Helma Kaptein à Renascença.
O objetivo de Debby é que, antes de 2025, a Marchena Lightupcane ou modelos semelhantes estejam acessíveis na Europa e em 2030, a nível global. Essa é uma das razões que a leva a sentir-se muito entusiasmada por o projeto estar entre os dez selecionados para o Bootcamp da Patient Innovation. Para Helma Kaptein, é uma boa oportunidade para construir e desenvolver o negócio. “Não queremos ganhar muito dinheiro, mas queremos que seja viável e tenha capacidade de se expandir para chegar a mais pessoas que precisam”.
Há quatro anos, Konrad Zielinsky foi diagnosticado com cancro da laringe, obrigando à operação. Passou a ser laringectomizado, dificultando a comunicação. Conformismo é uma palavra que este cientista polaco desconhece e começou a pensar numa solução tecnológica que permita restaurar a voz natural e substitua o som robótico, para ele e para muitos milhares de pessoas que têm o mesmo problema.
Konrad não esconde o entusiasmo e não é a voz (ainda robótica) que o impede de falar e de explicar não apenas o projeto, mas também o seu sonho: cantar. Quer juntar a voz à guitarra que tocava quando era mais novo. É um objetivo que está plenamente convicto que vai conseguir alcançar mais cedo ou mais tarde.
Para já usa um amplificador de voz com o recurso a interfaces inteligentes. A laringe artificial e o amplificador podem restaurar a qualidade e a liberdade de conversa, transformando o som robótico das atuais laringes artificiais numa voz com som natural. É esse o objetivo.
Marek Grzelec é engenheiro, designer e o responsável pela construção de todos os protótipos da Uhura Technologies. “Cada novo dispositivo que desenvolvemos é feito por mim, testado pelo Konrad e pelos nossos doentes. E agora vamos produzir mais dispositivos, por isso toda a gente pode usar o nosso produto”.
À Renascença explica que já fizeram também alguns dispositivos mais pequenos, que são mais leves, mais baratos e mais bonitos. “É muito importante. Normalmente, as pessoas querem esconder estes aparelhos, mas nós queremos que eles possam ser mostrados”.
Enquanto participou na semana de Lisboa deste programa de aceleração da Patient Innovation, a equipa teve oportunidade de fazer demonstrações em hospitais e perante médicos portugueses especialistas de voz. “Foi maravilhoso. Primeiro olharam para a solução com ar desconfiado, timidamente, mas ao experimentarem o dispositivo do Konrad, ficaram manifestamente satisfeitos”, diz Marek.
O interesse facilita a ligação às unidades hospitalares, muito importante para a validação clínica. Por outro lado, esta é uma oportunidade para partilhar experiências e perceber como desenvolver o produto, o negócio e a start-up de forma mais eficaz. “Não somos homens de negócios, somos cientistas, temos muito a aprender e aqui conseguimos uma boa ajuda”, diz Marek.
O utilizador da cadeira de rodas nem dá por ela. Mas esta almofada inteligente deteta todos os movimentos e quando a pessoa fica muito tempo na mesma posição, lança um alerta para o telemóvel do doente ou do cuidador para que haja movimento, ajudando a prevenir as úlceras de pressão.
É a Sensoseat, criada por dois iranianos que vivem em Castelo Branco, onde está registada a sede da empresa. A instalação no Interior do país era uma condição para ter acesso aos apoios do Portugal 2020, a que concorreram. Mohammad Amini e Davood Fanaei garantem à Renascença que se sentem ali muito bem, a qualidade de vida é muito superior à que tinham na capital; conseguem chegar a qualquer lado em pouco tempo, sem trânsito. O que não os impede de estar em contacto com todo o mundo.
A ideia da almofada inteligente foi inspirada pela situação do pai de Davood Fanaei, que, depois de diagnosticado com cancro do pulmão, passou a ter de usar cadeira de rodas. Como estava muito tempo na mesma posição, acabou por ficar com úlceras de pressão em diversas partes do corpo, que aceleraram a sua degradação física e a morte, o ano passado.
Davood não conseguiu ter uma solução a tempo de ajudar o pai, mas quer evitar que muitas outras pessoas passem pelo mesmo sofrimento. Segundo as estatísticas, 58% dos utilizadores de cadeiras de rodas têm úlceras de pressão pelo menos uma vez na vida. São dolorosas e podem ser fatais para o paciente. “Isto pode ser previsto, prevenido e muito útil”.
“A almofada com sensores é colocada no assento da cadeira e vai analisando todos os comportamentos. Quando é necessário, emite alertas para a aplicação do telemóvel, avisando que o utilizador tem de se movimentar. Onde também se podem encontrar relatórios de atividade e recomendações”, explica Mohammad Amini, que chegou a Portugal em 2018, inicialmente para trabalhar como investigador na Faculdade de Ciências e Tecnologia, na Universidade Nova.
Neste momento, a equipa está a trabalhar em coprodução com a Universidade da Beira Interior e com o Hospital de Castelo Branco, para a validação clínica. Também estão a fazer ensaios em parceria com a Associação Salvador.
Pedro Costa nasceu com perda auditiva, mas a música sempre fez parte da sua vida. “Sempre fui obcecado por música e som, o que me levou a querer explorar essa área também a nível profissional”, conta à Renascença.
Aos 20 anos foi para o Reino Unido estudar Engenharia de Som e, mais tarde, mudou-se para a Dinamarca para se especializar em Acústica. “Comecei a trabalhar e a desenvolver aparelhos auditivos, mas sempre com a ambição de deixar a minha pegada”. Foi assim que nasceu a Auricle.
Pedro faz questão de sublinhar que não é, nem nunca vai ser, um aparelho auditivo. São, sim, headphones sem fios que funcionam por condução óssea com um design de orelha aberta. Ou seja, é possível ouvir o som nos auscultadores (por exemplo, música) e o som ambiente, em condições de segurança. Serve para quem por exemplo, anda de bicicleta no meio do trânsito e, muito especialmente, para pessoas que têm problemas ligeiros de audição.
Patient Innovation
Plataforma de origem portuguesa tem cerca de 1.800(...)
É um dispositivo que pretende ser acessível ao público em geral, e sem necessidade de qualquer receita médica. “A beleza da tecnologia, hoje, é que há muitas maneiras de a implementar, está cada vez mais democratizada e conseguimos fazer muito mais, com melhores resultados e menos recursos do que há 10 ou 20 anos. Portanto, sim, vai ser possível comprar este equipamento numa loja mais ‘geral’, embora ainda falte algum tempo para que tal aconteça.
Para já, a Auricle fez um crowdfunding (financiamento coletivo) em que cada pessoa contribuiu antecipadamente com cerca de 50% do preço final do equipamento. Até ao fim do ano cerca de 500 unidades deverão estar prontas para entrega. A equipa- de origens diversas e formação diferenciada – está a trabalhar em força. O passo seguinte é entrar no mercado.
Por isso, a seleção para a participação no bootcamp da Patient Innovation é importante. “Já conhecia (a plataforma) de Copenhaga e concorri porque reflete completamente a minha maneira de pensar: como é que a pessoa que é doente e já conseguiu arranjar soluções pode contribuir e influenciar a melhoria das condições de vida de muitas outras. Quando as pessoas sentem a dor, se calhar pensam muito mais em soluções do que a pessoa que não se relaciona com aquele problema”.
Joana Afonso tem 25 anos e é enfermeira, tal como outras duas colegas da Careceiver, uma aplicação que ajuda os cuidadores informais a gerir tarefas. Mas todas sabem bem o que é ser cuidador informal dos avós, uns com alzheimer, outros com parkinson. Joana conheceu a realidade há uns anos quando a avó paterna, com cancro pancreático, passou a viver lá em casa, ao cuidado da família. Acabou por determinar a escolha académica e profissional.
No fim do curso de enfermagem e enquanto estagiavam num Centro de Saúde, as três jovens profissionais de enfermagem perceberam ainda melhor as necessidades dos cuidadores. “Tinham tanto para fazer que ficavam confusos para gerir todas as tarefas. E isso reflete-se também no seu estado de saúde, ficam esgotados”.
Patient Innovation
Plataforma Patient Innovation, criada por Pedro Ol(...)
Foi assim que surgiu a ideia de criar uma aplicação de telemóvel que permite aos cuidadores acompanharem a situação do familiar/pessoa cuidada 24 horas por dia, em qualquer parte do mundo. Permite-lhe também gerir as tarefas que têm a cargo, nomeadamente a marcação de exames e consultas, medicação.
Além disso, a plataforma tem muito conteúdo informativo, desenvolvido por profissionais de saúde (especialmente enfermeiros), especialistas em diversas áreas, nomeadamente, saúde mental e reabilitação. Sem esquecer toda a informação relativa ao Estatuto do Cuidador Informal.
Em desenvolvimento está um outro dispositivo – uma pulseira – que trabalha em simbiose com a aplicação e capta os sinais vitais da pessoa cuidada. “Permite ao cuidador ter um maior conhecimento sobre o estado físico e de saúde do doente. Mas ainda está em desenvolvimento”, diz Joana Afonso à Renascença.
“Pretendemos essencialmente, aliviar o stress, o sentimento de culpa e ajudar ao máximo a otimizar a vida dos cuidadores informais, aumentando a sua qualidade de vida”.
A aplicação permite, inclusive, a criação de um grupo de cuidadores para a mesma pessoa, que se organizam segundo as necessidades. Joana dá o exemplo da sua própria família. “Somos três netos que cuidam da avó e se organizam, na aplicação, dividindo as tarefas de cuidar, levar às consultas, passear. Entre nós, que temos vidas agitadas e ocupadas, conseguimos gerir os cuidados e responsabilidades, não deixando que tudo recaia sobre uma pessoa, que é o que acontece a maior parte das vezes”.
A plataforma já está em funcionamento em www.careceiver.com e nas redes sociais, além do site da Patient Innovation. “A participação neste programa de aceleração está a permitir-nos desenvolver o projeto de forma mais eficiente, recorrendo a apoios e mentorias. Somos da área da Saúde (a maior parte da equipa, embora também inclua um engenheiro informático e um economista) e não sabemos bem como estruturar o produto para avançar e atingir o objetivo: chegar ao público de forma válida e consistente”.
Além destas cinco, participam outras tantas equipas na 3.ª edição do Bootcamp da Patient Innovation, com duas etapas presenciais (em Lisboa e Copenhaga) e uma virtual, em Barcelona. Envolve ainda a NOVA Medical School, a NOVA SBE, a Copenhagen Business School, a IESE Business School, Biocat e Glintt. E tem o apoio da EIT Health (Instituto Europeu para a Inovação e Tecnologia na Saúde).
A Diabmate é uma solução de monitorização de diabetes em tempo real, criada por um pai para a sua filha. A plataforma permite a troca inteligente de dados, de forma rápida e segura entre pacientes, cuidadores e auxiliares, determinando o que fazer e quando.
MyTailoredTalk´s é uma aplicação criada para ajudar doentes que sofrem de Covid Longa. Os pacientes transmitem os dados relativos a uma autoavaliação de sintomas e dependendo das respostas, recebem automaticamente um suporte individualizado para os ajudar na recuperação.
O objetivo da Reality Telling é ajudar a melhorar a experiência dos doentes em ambiente hospitalar através de experiências imersivas, usando a tecnologia 360º/AR/VR e que lhes permite ligar-se ao exterior e até contactar com a família enquanto são sujeitos a tratamentos de longa duração. Uma forma de reduzir a ansiedade, depressão e stress pós-traumático.
ScallyCare é um bot (aplicação de software concebido para simular ações humanas) que pretende prestar apoio emocional a sobreviventes de cancro, através de um ambiente psicologicamente saudável à volta do paciente. Também monitoriza a ingestão de alimentos.
O Smart Inhaler é um inalador inteligente reutilizável para terapias inalatórias que permite o controlo e a observação dos pacientes à distância, criando intervenções terapêuticas que poderão salvar vidas.