14 out, 2022 - 20:37 • Lusa
A presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) assegurou esta sexta-feira que o organismo não se opõe à proposta de utilização dos dados conservados pelas operadoras para faturação para a finalidade da investigação criminal.
Numa audição no grupo de trabalho sobre metadados, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Filipa Calvão disse que a estratégia da proposta de lei do Governo - na sequência do chumbo da lei dos metadados pelo Tribunal Constitucional (TC) em abril - "não é propriamente censurada" pela CNPD, uma vez que abandona a ideia de criação de uma base de dados autónoma para a investigação criminal.
"Nada temos a opor que durante o período em que as operadoras já têm de conservar esses dados se permita o acesso para a finalidade da investigação criminal", observou a presidente da CNPD, sem deixar de considerar "incongruente" a introdução de dados nesta base sem serem necessários ou que até são repetitivos para efeitos de faturação das operadoras.
Porém, argumentou que "só pode ser a criminalidade grave a justificar a restrição" do direito à vida privada e que é essencial contar com a intervenção de um juiz de instrução criminal na decisão de acesso a estes dados dos cidadãos, recusando que esse papel passe exclusivamente pelo Ministério Público (MP).
"Não podemos deixar de garantir que quem pretende fazer a investigação não decida sobre aquilo que pode investigar numa matéria que mexe diretamente com direitos, liberdades e garantias", defendeu.
Por outro lado, rebateu algumas críticas à limitação temporal da conservação dos dados. Com o recurso à base de dados das operadoras de telecomunicações para efeitos de faturação, o acesso para os fins de investigação criminal circunscreve-se a seis meses, tendo Filipa Calvão sublinhado que as autoridades têm de compreender o equilíbrio entre as necessidades de segurança e o direito à reserva da vida privada das pessoas.
"Haverá situações em que, de facto, os investigadores poderão não ir a tempo, ou seja, quando se apercebem de que necessitarão dos dados, já poderão ter sido eliminados ao abrigo da lei de retenção de metadados. Aí, eu diria que é o equilíbrio dos direitos fundamentais. Quando estamos a falar de criminalidade não grave temos de compreender isso. A solução tem de ser compreendida à luz desta lógica", indicou.
E continuou: "Para a criminalidade grave pode haver situações em que isso suceda, mas isso é o custo de um Estado de Direito, em que há limites para todas as funções públicas e, portanto, também para a investigação criminal, não querendo minorar a importância dessa função".
A terminar a audição, a presidente da CNPD recusou o cenário de uma recolha generalizada dos dados pessoais por grupos de cidadãos, uma vez que tal hipótese representaria uma violação da Constituição. Em sentido contrário, admitiu que em "eventos excecionais" (nos quais não incluiu manifestações) possa ser feita a "recolha generalizada e conservação dos dados dos cidadãos numa determinada área", apresentando como exemplo os receios de terrorismo numa visita do Papa a Portugal.