24 out, 2022 - 11:57 • Diogo Camilo
Morreu este domingo o antigo governador de Macau e antigo ministro de Mário Soares, Carlos Montez Melancia, aos 95 anos.
A notícia foi avançada pela fundação Ammaia, que conserva as ruínas de uma antiga cidade romana no Parque Natural da Serra de São Mamede, da qual Carlos Melancia era presidente.
"Todos iremos sentir uma enorme saudade do constante carinho com que nos tratava, e pela forma calorosa como nos incentivava, demonstrando pessoalmente como devemos ser determinados e resilientes para participar no seu sonho sobre a Ammaia, uma visão cada vez mais real e que a ele devemos", refere a instituição nas redes sociais.
À Agência Lusa, fonte da família indicou que o antigo governador morreu no hospital de São José, para onde foi transportado após uma queda.
O antigo ministro, secretário de Estado e deputado nasceu em Alpiarça, a 21 de agosto de 1927, e estudou em Santarém. Licenciado em Engenharia Mecânica e Eletrotécnica em Lisboa, trabalhou na Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas (SOREFLAME) até 1976, ano em que começou a dedicar-se ativamente à vida política.
Na asa de Mário Soares, tornou-se em julho desse ano no secretário de Estado da Indústria Pesada e da Coordenação Económica do primeiro Governo Constitucional. Na formação do segundo Governo voltou a ser chamado, desta vez para ministro da Tecnologia, cargo que desempenhou entre janeiro e julho de 1978.
Quando Mário Soares voltou a primeiro-ministro, em 1983, voltou a confiar em Carlos Melancia, tornando-o ministro do Mar, até 1985, e depois do Equipamento Social, onde acabou por só estar cinco meses.
Após as legislativas de 1985, Carlos Melancia foi eleito deputado pelo círculo de Leiria nas listas do PS, deixando o Parlamento dois anos depois, após ter sido escolhido por Mário Soares para suceder a Pinto Machado no cargo de governador de Macau, em 1987. Demitiu-se do cargo em consequência o conhecido "caso do fax", pelo qual foi acusado de corrupção passiva e mais tarde ilibado, em 2002.
Recebia, desde julho de 1998, mais de nove mil euros por mês a título de subvenção vitalícia, a mais elevada pensão atribuída a antigos titulares de cargos políticos.
À Renascença, o chefe de gabinete de Carlos Melancia em Macau, Vitalino Canas, lembra o antigo governador como um dos “grandes estrategas do desenvolvimento”.
“Era um fazedor. Não ligava muito às questões teóricas e aos problemas do dia a dia e estava muito votado a fazer coisas”, diz.
“Esse período de grande prosperidade deve-se em grande medida à visão do engenheiro Carlos Melancia, que lançou as principais infraestruturas de Macau que ainda hoje existem e são fundamentais para a relação do território com o exterior”, afirma Vitalino Canas.
A investigação teve início em fevereiro de 1990, quando o semanário "Independente" publicou um telefax, em que uma empresa alemã, a Weidleplan que se candidatava à construção do novo aeroporto de Macau, enviou a Carlos Melancia a devolução de 50 mil contos, que teriam sido entregues ao então governador em janeiro do ano anterior, em troca de eventuais facilidades no concurso de construção do futuro aeroporto.
A divulgação acontece numa altura em que Mário Soares se encontra em pré-campanha para a reeleição e foi tema nas presidenciais de 1991, com o candidato do CDS-PP, Basílio Horta, a acusar também o então Presidente da República de estar envolvido no escândalo, chamando-o de “o padrinho”.
Carlos Melancia foi obrigado a demitir-se, após uma reunião em Belém com o chefe de Estado, e manteve-se em silêncio durante anos,
até ter acusado Mário Soares de “traição” numa entrevista recente, para a biografia “Jorge Coelho, O Todo-Poderoso”.
Acabaria ilibado em 2002 pelo Tribunal Constitucional, após uma primeira decisão judicial estranha, em que foram condenados os corruptores mas não foram descobertos os corrompidos.