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Agricultura

Do desperdício à poupança de água. O contador que faz a diferença nas terras de Joaquim Pio

27 out, 2022 - 06:39 • Rosário Silva

Durante vários meses, o projeto “Gulbenkian Água” mostrou como é possível gerir melhor a água disponível. Em Reguengos de Monsaraz, onde os agricultores continuam à espera da água da barragem do Alqueva, as experiências são animadoras.

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Na exploração agrícola de Joaquim Pio, no concelho de Reguengos de Monsaraz, até junho deste ano, a rega era feita manualmente. Há uns anos que a charca secara e para manter os seis hectares de vinha a produzir, o agricultor acabou por investir na abertura de um furo, usando a água sem qualquer tipo de controlo no que diz respeito a consumos.

Sendo a água um bem escasso, num ano particularmente difícil por causa da seca e sem a tão desejada água do Alqueva, o produtor aceitou aliar-se ao projeto “Gulbenkian Água”, desenvolvido pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), com a finalidade de promover a utilização mais eficiente deste recurso, através da instalação de tecnologias amigas do ambiente.

Entre formações e demonstrações, Joaquim Pio conseguiu que fosse instalado nas suas terras, um contador de água para monitorizar os gastos. “Desde que montaram o contador, em junho, percebi que não tinha qualquer noção dos gastos e foi possível controlar melhor as regas”, diz à Renascença.

O investimento, na ordem dos 400 euros, financiado pela FCG, acabou por alterar a forma de pensar e agir deste agricultor, ainda a braços com a escalada dos preços da eletricidade.

“Este ano optei por regar só de noite, pois faz mais efeito, já que o preço da eletricidade está incomportável”, lamenta, enquanto revela como um simples contador alterou a sua vida no campo.

“A água que leva cada setor, cada vez que regava, por exemplo, gastava cerca de 40 metros cúbicos por dia, mas nalguns dias, podia chegar aos 70 metros cúbicos, mas não tinha a mínima noção e agora conheço os valores, o que faz toda a diferença”, menciona.

O projeto “Gulbenkian Água” deu o pontapé de saída, com um primeiro estímulo financeiro, abrindo novos horizontes ao agricultor, uma vez que equaciona continuar a investir em práticas de gestão sustentável. O próximo passo, assim consiga ter dinheiro para investir, passa por “trocar as torneiras manuais, por torneiras elétricas”.

Este ano, o agricultor de Reguengos de Monsaraz, graças à instalação do contador, sabe que gastou em toda a campanha, “400 metros cúbicos de água por hectare de vinha”. Apesar de não ter um termo de comparação, acredita verdadeiramente que obteve “benefícios”, sobretudo neste ano que, por causa da seca, “foi muito mau”.

O uso da água em Portugal e os contributos da tecnologia

Em Portugal, “o setor agrícola é responsável por 75% do total de água utilizada, um número que contrasta com a média da União Europeia (24%)” e, nalguns períodos, “chega a ser superior à média mundial (69%)”, estando, contudo, alinhado com o de países mediterrânicos como a Espanha e a Grécia.

É pelo menos o que revela o estudo “O Uso da Água em Portugal”, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), e desenvolvido entre 2019 e 2020.

O documento não é novo, mas as conclusões mantêm-se atuais, com Portugal a enfrentar um sério risco de escassez de água já nos próximos 20 anos, e onde a maioria dos agricultores não tem meios para medir a água que gasta.

Com a transição para uma agricultura mais sustentável do ponto de vista hídrico, fica patente a necessidade, cada vez maior, da adoção de novas tecnologias de rega e gestão da água.

Não sendo uma novidade, o uso de tecnologia na agricultura está a crescer, mas não é propriamente acessível à grande maioria dos agricultores. Parcos recursos financeiros, a par de alguma resistência à mudança, acabam por obstaculizar o processo de transformação que não chega a todos.

Sustentado nestas e outras preocupações, surge o projeto “Gulbenkian Água”, com a finalidade de aumentar o conhecimento dos agentes do setor relativo a uma gestão mais eficiente.

Assim, foram financiados cinco projetos de demonstração de boas práticas, abrangendo culturas distintas, de norte a sul do país, durante toda a campanha agrícola. Estiveram envolvidas 24 organizações do setor agrícola, e as 28 ações de demonstração desenvolvidas, contaram com a participação de mais de 1.200 pessoas ligadas à terra.

Concretamente no Alentejo, estiveram à frente de um ‘consórcio’ a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), em parceria com o Instituto Superior de Agronomia (ISA), o Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR) e o Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo.

“Com estas apresentações e demonstrações foi possível chegar a algumas centenas de agricultores em todo o Alentejo e o retorno que tivemos foi muito positivo. Usámos as ferramentas que a Gulbenkian nos deu e, chegados aqui, vamos alicerçar estes incentivos para continuar a melhorar”, referiu, à Renascença, João Barroso, coordenador do Programa de Sustentabilidade da CVRA.

“Foi mais uma peça na nossa engrenagem, mas vamos continuar e não é por ter chovido que não vamos continuar em seca. É preciso pensar nisso e tudo o que tenha a ver com a educação e sensibilização é importante, além da disponibilidade financeira para trazer tecnologia para o terreno. Mas, acima de tudo, é urgente usar a água com responsabilidade”, sublinha este responsável.

Tecnologia de baixo custo para controlar os solos

Responsabilidade é palavra de ordem para José Cartaxo, proprietário de três hectares de olival intensivo e que tem agora na tecnologia, um verdadeiro aliado para gerir a água necessária a esta cultura.

São sensores de baixo custo – habitualmente instalam-se três por profundidade – e uma unidade de medição, que pode medir em todas as parcelas de terreno que tenham esses sensores montados.

Se a estes sensores se associar uma tecnologia mais avançada, como sondas ou equipamentos de coleta e armazenamento de dados independentes (datalogger), passa a ser possível efetuar um registo contínuo e em tempo real, permitindo ao regante, através do seu telemóvel, tomar conhecimento, onde quer que esteja, do nível de humidade do solo e acompanhar como está a ser feito o consumo.

“Houve muitos benefícios ao nível do controlo da humidade da terra e conseguimos ter uma melhor perceção do estado das plantas, o que me permite fazer uma rega mais eficiente”, partilha com a Renascença, José Cartaxo, agricultor do concelho de Reguengos de Monsaraz, empenhado em continuar a aprofundar as potencialidades das tecnologias em benefício da sustentabilidade da lavoura.

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