31 out, 2022 - 06:33 • *Frederico Fezas Vital
Desde muito novo que aprendi que as palavras têm muita importância e peso. Como poderiam não ter? Afinal de contas, são elas que nos permitem navegar, todos os dias, num mundo complexo, de escolhas múltiplas, com a necessidade de sistematização da realidade exterior, e de interação constante com os outros, que essa viagem pelo mundo dos homens acarreta.
Quando se trabalha com conhecimento, numa perspetiva de translação do mesmo para a prática, o desafio é o de conseguir encontrar um espaço de compreensão e entendimento comum relativamente amplo, através do uso das palavras, que seja unificador de interesses, visões e valores e que seja acionável. Ou seja, que facilmente se possa converter em ações concretas.
Quando as palavras englobam sentidos diversos – como acontece com as palavras inovação, ecossistema ou empreendedorismo-, a situação complica-se.
Nas conversas que vou tendo, com amigos e, muitas vezes, com parceiros ou potenciais parceiros, sobre o que faço, e lhes digo que o meu foco é em inovação social, a reação oscila entre o anuir, como se percebessem perfeitamente o que estou a dizer (embora muitas vezes desconfie que não fazem nem uma pequena ideia do que estou a falar) e, mais frequentemente, um esboçar de um olhar curioso, de sobrancelha franzida, a que se segue a inevitável pergunta – mas o que é ao certo Inovação Social?!
E isto é, muitas vezes, ou pode ser, um obstáculo à integral eficácia dos projetos que, no dia a dia, vou acompanhando. Já para não falar da eficiência no processo, pois é necessário ter tempo para explicar, de forma clara, o que se pretende dizer e o que é feito, em concreto, nesta área.
A melhor forma de explicar o que é a Inovação Social, talvez seja utilizando uma técnica que aprendi com a minha formação jurídica – o desconstruir, em partes mais pequenas, a expressão, e procurar ser claro a transmitir aquele que é o entendimento que aceito, no meu dia a dia, como o que mais se coaduna com o que realmente acontece na prática deste conceito e, que, por essa mesma razão, permite uma maior conversão para a prática. Educativa ou em contexto de empreendedorismo.
A inovação é um resultado. Um resultado de um conjunto de ideias, que são organizadas de uma forma lógica, e que se declinam num sistema de atividades concretas que procuram entregar um conjunto de benefícios a um determinado segmento de pessoas (modelo). Um conjunto de benefícios que essas pessoas, atualmente, não tenham, ou aos quais não tenham acesso, ou ainda que sejam proporcionados de uma forma que seja mais eficaz ou eficiente do que aquelas que atualmente estejam disponíveis.
Neste sentido, uma boa ideia não é inovação. É só uma boa ideia. Se essa boa ideia for transformada, através de um determinado processo de desenho e sistematização, num produto ou num serviço que, para além de ser reconhecido como útil e benéfico, gere uma vontade de adoção e tenha resultados concretos na vida das pessoas, temos Inovação. Se essa vontade de adoção se traduzir em geração de fluxos de receitas e mobilização de recursos, temos um modelo inovador e viável.
Quando esta inovação se traduz na transformação positiva efetiva da vida de indivíduos e comunidades, ou em efeitos positivos no Planeta – que, em última instância, significarão também uma melhor qualidade para pessoas, organizações e comunidades –, resolvendo alguns dos seus problemas, então temos aquilo a que chamamos Inovação Social. E um impacto positivo, que pode e deve ser medido, revisto e escalado, para que possa alcançar todo o seu potencial de transformação.
Quando uma iniciativa como o Grameen Bank, do Professor Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz em 2006, vem, em 1976, numa altura em que ainda não se falava de Inovação Social, apresentar um modelo que permite o acesso a financiamento por parte de segmentos da população que vivem em extrema pobreza, em condições que quebram a norma da prática corrente em instituições financeiras, ela não está só a criar uma área de mercado. Está também a contribuir decisivamente para quebrar um círculo vicioso de pobreza. Está verdadeiramente a fazer Inovação Social. E não é por acaso que este empreendedor (social) é uma referência mundial nesta área.
Inovação porque se gerou um benefício inexistente – o acesso a financiamento – para um segmento “esquecido” pelo status quo, com um modelo que garante que essas pessoas podem pagar viabilizando, deste modo, o negócio.
Inovação Social, porque esse modelo permitiu a milhares de famílias, a viver em situação de extrema pobreza, através do fomento do micro-empreendedorismo, criarem, elas próprias, as condições para uma melhor qualidade de vida. E a disseminação do modelo por todo o mundo, demonstra cabalmente o impacto gerado.
Os processos que conduzem a esta inovação e à melhoria efetiva da vida das pessoas, e da qualidade da vida no Planeta, podem surgir em qualquer contexto, e em qualquer sector. Essa é a beleza da Inovação Social. Se houver vontade, competência e alguma resiliência, ela é acessível a todos os que a quiserem criar.
Frederico Fezas Vital, Executive Diretor @ CATÓLICA-LISBON Yunus Social Innovation Center
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics.