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Reservas da Biosfera. "Há uma maneira diferente de olhar o futuro menos vulnerável às alterações climáticas"

03 nov, 2022 - 06:11 • Rosário Silva

Entre o continente e as ilhas, em Portugal há 12 sítios classificados pela UNESCO como Reservas da Biosfera.

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Para evidenciar a natureza, a biodiversidade, a cultura e as tradições das comunidades das Reservas da Biosfera, a UNESCO instituiu o dia 3 de novembro como Dia Internacional das Reservas da Biosfera, para celebrar a “conciliação entre a conservação da natureza e o desenvolvimento socioeconómico sustentável”.

A escolha da data foi feita pela Conferência Geral e a decisão insere-se nas comemorações do 50,º aniversário do programa intergovernamental da UNESCO, “Man and the Biosphere” (O Homem e a Biosfera).

A luta pela valorização do património natural dos territórios e pela salvaguarda dos ecossistemas terrestres, marinhos e costeiros passa, a partir de 3 de novembro de 2022, a ser assinalada todos os anos.

Para entender a importância, em Portugal, das Reservas da Biosfera, a Renascença conversou com António Abreu, biólogo, investigador da Cátedra UNESCO em Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Coimbra e coordenador geral do projeto “Reservas da Biosfera: Territórios Sustentáveis, Comunidades Resilientes”.

O que é o projeto “Reservas da Biosfera: Territórios Sustentáveis, Comunidades Resilientes” que coordena?

As Reservas da Biosfera da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) são territórios, por definição classificados por esta organização, que visam promover uma questão que é premente, que é a possibilidade de se conservar a natureza, mas numa lógica, não meramente contemplativa, ou seja, precisamos de uma natureza a funcionar bem para suportar a qualidade de vida das pessoas e, se quisermos, o desenvolvimento socioeconómico desses territórios.

É um desafio muito complexo, mas que há mais de 50 anos, no quadro da UNESCO, e em particular do programa “O Homem e a Biosfera”, criou-se esta classificação para esses sítios, onde as comunidades, as pessoas, nas suas diferentes formas de organização se comprometem a olhar para a natureza, não como algo que está em conflito com o desenvolvimento socioeconómico, mas antes pelo contrário: a preservação da natureza, mas a par da identidade cultural, da história, do património, podem constituir-se como ativos, para olhar para o futuro e para o desenvolvimento de uma forma mais sustentável, um conceito de que toda a agente fala.

De repente, um programa que era pouco conhecido, passou a estar um pouco na moda, de tal forma que, em 2021, a Conferência Geral da UNESCO consagrou formalmente o dia 3 de novembro como o Dia Internacional das Reservas da Biosfera.

O que é necessário para que uma determinada área obtenha esta classificação de Reserva da Biosfera?

A UNESCO tem três programas diferentes para designação de sítios ou de ativos, e um deles diz respeito às Reservas da Biosfera. São sítios que têm de ter uma representatividade em termos de ecossistemas, relativamente à região onde se inserem, com valores importantes e com algum estatuto de conservação a nível regional, ao qual acresce a necessidade de envolvimento de áreas com povoamentos urbanos e desenvolvimento socioeconómico, ou seja, não são territórios exclusivamente valorizados, apenas, pela dimensão natural, mas por aquilo que eu referi antes, a combinação entre ambos.

Em Portugal existem 12 sítios que, nos últimos 40 anos, foram regularmente candidatados e que mereceram essa distinção, sendo que estão geograficamente bem distribuídos, quer na parte continental, quer nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

Portanto, são sítios que têm valores naturais, mas, para além disso, uma dimensão humana e de desenvolvimento associada, que no seu dia a dia assumem que é possível, através do diálogo, da concertação, do conhecimento e da análise integrada, promover a conservação da natureza e da cultura, mas também a aliar isso como um pilar do desenvolvimento à escala local.

Pode dizer-nos que Reservas da Biosfera são essas?

A nossa decana é o Paúl do Boquilobo, que foi a primeira candidatura que Portugal fez há 42 anos. A última, para não dar muita ordem a isto, é toda a Ilha do Porto Santo e o seu mar à volta. Mantendo-nos na Região Autónoma da Madeira, temos, para além do Porto Santo, Santana, que é um município na costa Norte.

Na Região Autónoma dos Açores, temos quatro Reservas da Biosfera da UNESCO: a Ilha das Flores, a Ilha do Corvo, a Ilha Graciosa e a Ilha de São Jorge, com as suas fajãs.

Depois, no continente, temos a Reserva da Biosfera de Castro Verde que corresponde, a toda a zona do Campo Branco e o município de Castro Verde, temos Berlengas/Peniche, e mais três reservas que são a particulares, porque são reservas transfronteiriças, ou seja, são partilhadas entre Portugal e Espanha. Temos então o Tejo/Tajo internacional, a reserva da Meseta Ibérica, na zona de Bragança e a reserva transfronteiriça do Gerês/Xurês. Portugal é um país que contribui significativamente para um programa que tem 738 sítios em 134 países, dos quais 22 são transfronteiriços.

A seca e muitos outros fenómenos meteorológicos são exemplo visível das alterações climáticas, que tanto nos preocupam nos dias de hoje. Que papel têm estas Reservas no combate a este problema?

Um dos papéis que as Reservas da Biosfera têm como responsabilidade a desenvolver é a conservação, os valores naturais, culturais, etc... Outro papel, é a área do conhecimento, o chamado plano logístico, nomeadamente, a informação como apoio à decisão, o envolver, educar ou o capacitar. Uma terceira função, é promover o desenvolvimento socioeconómico.

Portanto, no conjunto destas três funções, logicamente a questão das alterações climáticas é premente, porque precisamos de sistemas naturais e sistemas sociais mais resilientes, daí o contributo do projeto. O ensaio de boas práticas, a introdução de princípios de gestão ambiental e de boas práticas, é talvez a forma mais eficiente e imediata de combater os problemas que advêm das alterações climáticas.

Por exemplo, a escassez da água. Nós não conseguimos regular a atmosfera, mas conseguimos regular a forma como gerimos os recursos, portanto, a poupança, a gestão equilibrada, a promoção da reflorestação ou da manutenção daquilo que nós chamamos, tecnicamente, os serviços dos ecossistemas, são formas de promover a eficiência e, consequentemente, uma forma de adaptação a estes tempos tão vulneráveis e complexos que vivemos.

Apesar dos problemas não estarem resolvidos, há aqui uma maneira de olhar para o futuro de uma forma diferente e menos vulnerável a estas pressões que podem ir das alterações climáticas, mas também de outras situações, até sociais, como a questão que estamos a viver da crise energética associada à guerra das matérias-primas.

Quanto mais coerentes, mais coesos e mais fortes for a ligação com o Homem e os sistemas naturais do sítio onde vive, e é isso que as reservas promovem, maior é a capacidade de adaptação e de mitigação face a fatores externos, como as alterações climáticas, sendo promovida uma maior resiliência, não só para a natureza.

As pessoas estão sensibilizadas para estas questões?

No geral, sim, mas vivemos momentos em que a memória é muito volátil. Diria que é um trabalho que se tem de continuar a fazer, com uma base educativa muito forte, com uma base de também mudarmos a forma como olhamos para a natureza, menos contemplativa, mas percebendo que precisamos mesmo de natureza e que esta é um ativo para o desenvolvimento, nomeadamente, socioeconómico.

Costumo dizer que não há desenvolvimento socioeconómico na Lua, porque não tem uma natureza como existe na Terra, porque temos tecnologia e capacidade para explorar recursos, que os há também na Lua. Cada vez mais, as pessoas têm essa sensibilidade e precisam de instrumentos e ferramentas, que não sendo uma varinha mágica podem ser instrumentos de conciliação, de chamar a atenção e de experimentação. Elas podem ser também laboratórios vivos para experimentar outras formas de gerir os recursos.

Se pensarmos em combinar agricultura com turismo, em definir capacidade de cargas ou em valorizar recursos endógenos, que tradicionalmente não têm valor de mercado, mas que numa partilha, em termos de disponibilidade, com uma experiência turística, só para dar um exemplo mais próximo da economia, se pode fazer, digamos, perece-me que as pessoas, com maior comunicação, com maior divulgação vão aderindo e encontrando alternativas, para olhar para o futuro com o algum otimismo.

Por outro lado, vão percebendo qual o papel a desempenhar nesta reconciliação com os sistemas naturais. Não podemos continuar a viver com a vulnerabilidade que temos, perante pandemias, guerras e catástrofes climáticas, porque senão desistiríamos e teríamos de ir à procura de outros sítios. O engenho humano faz-nos acreditar, com a consciência e o conhecimento, de que é possível encontrar caminhos alternativos. Este é um pequeno contributo que as reservas podem dar.


No âmbito do projeto que coordena, que balanço faz do trabalho já desenvolvido?

Para financiar o projeto, foi criado um mecanismo financeiro, conhecido como EEA Grants, através do qual a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega apoiam financeiramente os Estados-membros da União Europeia, onde se inclui Portugal, e que têm vindo a contribuir para que se aumente o conhecimento sobre e acerca das Reservas da Biosfera.

Pretende-se promover a capacitação seja ao nível da gestão, seja ao nível dos cidadãos e das empresas que vivem nesses territórios, e também na questão da comunicação. Não basta existir e ter conhecimento, é preciso comunicar e valorizar esses territórios que assumiram a responsabilidade de fazer parte da família das Reservas de Biosfera.

Nós temos 81 atividades ao longo de quase três anos deste projeto, que acaba em setembro de 2023. Tem sido muito positiva a adesão e a participação local das comunidades, das pessoas, dos gestores, dos departamentos e estamos convencidos que no final do projeto, as reservas serão mais bem conhecidas e motivarão oportunidades, demonstrando que é possível o tal caminho do desenvolvimento, conservando a natureza e não contra ela, promovendo o aumento da autoestima e valorização do que somos. Para já, é um balanço muito positivo.

É a primeira vez que se celebra o Dia Internacional das Reservas da Biosfera. É uma chamada de atenção para a importância do tema para o futuro do nossos Planeta?

Em todo o mundo temos 270 milhões de pessoas que vivem nas Reservas da Biosfera. Esta é a chamada de atenção que, com certeza, não vai passar despercebida, pelo menos a estas pessoas.

Estas, por sua vez, vão fazer com que outros tantos milhões percebam que é fundamental e viável prosseguirmos com qualidade de vida no Planeta, com respeito pela natureza. É este o objetivo, ter uma data anual, que sirva de alerta para uma abordagem do desenvolvimento sustentável que se coadune com a vida moderna e o papel exemplar que, a nível mundial, as Reservas da Biosfera podem desempenhar a este respeito.

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