18 nov, 2022 - 18:42 • Teresa Paula Costa
A presidente da Rede Europeia de Religiosas contra o Tráfico e Exploração (RENATE), irmã Imelda Poole, defende que Portugal e a Europa têm de colocar “foco e prioridade na proteção das vítimas e pessoas vulneráveis”.
Em declarações à agência Ecclesia, à margem da assembleia-geral da Renate que terminou nesta sexta-feira em Fátima, Imelda Poole alertou para os “milhões de pessoas” traficadas à frente de todos e disse que esta realidade necessita de prevenção.
“Conseguem ver? Olham? Conseguem ver milhões de pessoas que estão a ser traficadas à vossa frente, é como carne, carne humana colocada no mercado, como mercadoria, para ser comprada e vendida”, sublinhou a religiosa, que há cerca de 10 anos trabalha com a Rede.
“É preciso que os governos ajam em concertação”, defendeu a religiosa, mas que também “olhem a realidade social e económica para que não abram caminho para o tráfico”, pois “se conseguirmos combater a pobreza, contrariamos a imaginação do crime”.
A religiosa defende que o tráfico de pessoas “é real” e que Portugal e os outros países da Europa têm de colocar “foco e prioridade na proteção das vítimas e pessoas vulneráveis”, mas também olhar a realidade social e económica.
A irmã Imelda Poole descreve a situação da guerra da Ucrânia, toda a vulnerabilidade existente, como uma “forma fácil” para este crime, a que a RENATE está atenta.
“Mesmo a grande explosão de tráfico humano online, durante a Covid, criou uma nova missão à RENATE na prevenção, porque é aos vulneráveis que o tráfico se dirige e os vulneráveis multiplicaram-se, com a crise da Covid e, claro, a guerra na Ucrânia. Estamos na fronteira com a Ucrânia, com os nossos parceiros de cada Estado, e há crise na Roménia, Polónia, Hungria e na própria Ucrânia”, explica.
Até este momento, não há números concretos de pessoas oriundas da Ucrânia que tenham caído nas malhas dos traficantes, disse a irmã Julieta Mendes.
Em entrevista à Renascença, a religiosa da Comissão de Apoio à Vítima de Tráfico de Pessoas (CAVITP) alertou que, “nas fronteiras da Ucrânia, há redes de traficantes para apanhar [pessoas], mas também há um outro movimento que está a proteger, porque quem sai neste momento da Ucrânia são as mães, portanto, as mulheres e os filhos”.
Por isso, na Ucrânia neste momento “não se conhece muita gente traficada que tenha caído nessas redes, porque toda a Europa estava desperta para salvar as pessoas da Ucrânia”, acrescentou Julieta Mendes.
Relativamente a Portugal, a religiosa lamenta que a sociedade esteja pouco sensibilizada e alimente mesmo o tráfico e a exploração de pessoas.
“Se não houvesse procura das coisas mais baratas, não havia oferta da parte dos traficantes”, explica Julieta Mendes, referindo-se à tendência de as pessoas preferirem comprar artigos de baixo preço, embora saibam que são fabricados em países onde os salários são baixos.
“É o desejo de ganharem dinheiro que está aqui (presente)”, lamentou a religiosa. “E quem é que lucra?” questionou Julieta Mendes. “Os traficantes, o comércio, a construção, porque não pagam salários justos nem segurança social”, respondeu.
Uma situação pela qual os governos têm responsabilidade, mas também a própria Igreja.
“A Igreja tem aqui um papel muito importante, na medida em que tem tantos púlpitos, tantos grupos, tantos movimentos e eu noto que a igreja está muito alheia a esta problemática”, lamentou a irmã Júlia Bacelar, que também integra a CAVITP.
Para sensibilizar os jovens para esta problemática, a Talitha Kum - Rede Internacional da Vida Consagrada Contra o Tráfico de Seres Humanos – está a formar jovens para que na próxima Jornada Mundial da Juventude em agosto de 2023, em Lisboa, espalhem esta preocupação aos seus pares.
Em entrevista à Renascença, Gabriela Bottani, que até setembro liderou a rede, disse que “acreditamos que a liberdade, a criatividade e a força espiritual dos jovens podem contribuir muito para esta luta”.
“Dentro da sociedade há um processo de educação e de transformação e os jovens podem desempenhar um papel muito importante nesse processo”, adiantou a religiosa.
Entretanto, os jovens começaram já a contribuir para esta temática, tendo decidido o tema do próximo Dia Mundial de Oração Contra o Tráfico que se assinala a 8 de fevereiro. “Caminhando pela dignidade” foi o tema escolhido pelos jovens.
Presente na assembleia-geral da RENATE, a diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações revelou à Renascença que “queremos chegar às escolas católicas, às comunidades cristãs, sensibilizar não só para que não haja mais vítimas, mas também para que as nossas comunidades não sejam exploradoras”.
“Que tenhamos a coragem de denunciar e de interromper esta cadeia de exploração”, concretizou Eugénia Quaresma.
Para a diretora da OCPM, foi também importante nesta assembleia-geral ter percebido que “é possível a vítima ser agente de mudança do sistema”.
Para tal é necessário “empoderá-la ao ponto de ela ter a coragem de mudar o sistema”, trabalho que a Obra está disponível para desenvolver.
A assembleia-geral da Rede europeia de religiosas contra o tráfico e exploração juntou em Fátima perto de uma centena de pessoas de vários pontos do globo.