23 nov, 2022 - 14:35 • Rosário Silva
Guardião dos vinhos de talha, o Alentejo continua a preservar com sabedoria, até aos dias de hoje, um processo de vinificação desenvolvido pelos romanos, com o crescente interesse dos produtores da região por este vinho único.
Considerado um vinho de “nicho”, o seu consumo está a crescer em Portugal e no mundo, e segundo dados da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), analisados pela Renascença, já representa 0,1% da produção total de vinho no Alentejo, com 23 produtores registados.
Os números apurados dizem respeito a 2021 e permitem concluir que o maior número de produtores (11), concentra-se no distrito de Beja, o que representa 48% do total, com um contributo de 79% para a produção, cerca de 1.442 hectolitros (hl).
Segue-se o distrito de Évora com oito produtores registados (35% do total) e uma produção de 314 hl e, por fim, Portalegre, com 17% do total de produtores (são quatro), e uma produção a rondar cerca de 60 hl.
Apesar da frágil capacidade produtiva de Portugal, poder rivalizar com os grandes produtores mundiais de vinho, a uma escala industrial, como a Austrália, a Califórnia ou África do Sul, a existência do vinho de talha já está a merecer o reconhecimento internacional, o que se confirma ao nível das exportações.
No ano de 2021, registou-se um aumento das exportações, com valores superiores a rondar os 35% para a América do Norte e América do Sul, seguindo-se África com 10% e a Europa que regista 3%, deixando a porta aberta a novos mercados/consumidores.
Associado ao vinho surgem outras vertentes que merecem continuar a ser reconhecidas, como o enoturismo e a gastronomia. O enoturismo, por exemplo, conta já com a “Rota dos Vinhos de Talha”, a que se associam, não só os recursos paisagísticos da região, como o património cultural, com destaque principal para a gastronomia, reconhecida que é a sua qualidade e variedade por terras alentejanas.
No Alentejo, refira-se, as condições climatéricas são consideradas como “mediterrânico/continental”, estando identificados alguns microclimas em resultado da influência das serras de Portel, S. Mamede e d’Ossa, contribuindo, cada uma, para um “terroir” específico, com a produção de vinhos tintos, branco e palhete (ou palheto), com características distintas.
Estima-se que estes vinhos representarão cerca de 60 mil litros. De igual forma, há vinhos que cumprem com os requisitos da certificação, mas por opção do produtor não são submetidos à certificação, sendo frequentemente utilizados em atividades turísticas.
A designação "Vinho de Talha" é considerada, desde 2010, como método tradicional a ser utilizado na elaboração de vinhos com direito ao uso da Denominação de Origem Controlada - DOC Alentejo.
Isto significa que a utilização da designação "Vinho de Talha" está reservada aos vinhos que sejam elaborados em talhas e na delimitação geográfica correspondente à DOC Alentejo e que cumpram as normas estabelecidas no regulamento, implicando a certificação do vinho feita pela CVRA.
A verdade é que o vinho de talha merece cada vez mais destaque. O processo de fabrico é hoje sobejamente conhecido, com o esmagamento dos cachos, e a sua deposição nas talhas de barro, onde irão fermentar pelo menos até ao dia de São Martinho, a 11 de novembro, altura em que se prepara todo um cerimonial que culmina com a abertura das talhas.
Foi o que aconteceu na Herdade do Rocim, no concelho de Cuba, onde mais de cinco dezenas de produtores e 1.500 visitantes, participaram no evento anual “Amphora Wine Day”, para celebrar o vinho de talha, que ambiciona ser Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
A quarta edição desse certame, assinalou esta tradição com mais de dois mil anos, fazendo-se acompanhar, como não podia deixar de ser, dos “produtos da terra”, como os queijos, os enchidos e toda a variada gastronomia regional.
As várias representações de produtores internacionais no evento, permitiram identificar uma história comum que abarca não só o Mar Mediterrâneo, como o Mar Negro e o Adriático. Ucranianos, georgianos, franceses ou espanhóis, mostraram a autenticidade dos seus vinhos de talha.
“Quando iniciamos este projeto em 2018 tínhamos em mente assinalar a tradição do vinho de talha, abrir as portas aos interessados e celebrar o momento da abertura das nossas ânforas. Lançamos o desafio a vários produtores que responderam e vieram de todas as partes do mundo”, confirma à Renascença, Pedro Ribeiro, administrador da Herdade do Rocim.
“Acredito que os vinhos de talha ainda têm muito para crescer. Os vinhos de talha foram um momento de viragem para a nossa marca. Começamos a engarrafar em 2012, embora sempre se fizesse vinho de talha, mas não era para venda. Hoje, somos 23 produtores certificados e muitos mais que o fazem sem estarem certificados”, lembra o também enólogo.
Pedro Ribeiro acredita que “estamos só a começar e que o potencial deste vinho ainda tem muito mercado para conquistar”.