30 nov, 2022 - 14:19 • Lusa
A companhia de teatro do Porto Seiva Trupe, com 50 anos de atividade, vai avançar com um “requerimento hierárquico” ao ministro da Cultura, para reverter a exclusão do apoio estatal, caso contrário é a morte da instituição.
“Em última análise, e a não ser revertida a situação de alguma maneira, significaria a morte da Seiva Trupe”, declarou esta quarta-feira à agência Lusa Jorge Castro Guedes, diretor da Cooperativa Seiva Trupe – Teatro Vivo, desde 2019.
Em entrevista telefónica à agência Lusa, após a Seiva Trupe ter tomado conhecimento de que foi excluída da concessão de apoio financeiro, no contexto dos resultados provisórios dos concursos do Programa de Apoio Sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes), a que se candidatara, para os próximos quatro anos, Jorge Castro Guedes avançou que a companhia vai fazer um “requerimento hierárquico” ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, para que a decisão seja revertida, porque tem de haver uma “responsabilidade política”, seja através da “DGArtes ou através do próprio ministro da Cultura”.
“É uma situação complemente obtusa. A responsabilidade política devia ser assumida através da DGArtes ou através do próprio ministro da Cultura. Nem nos passa pela cabeça essa possibilidade, nem tampouco do ministro da Cultura não vir a fazer alguma coisa que, no mínimo, minimize o impacto de uma decisão aleatória”, declara o diretor da companhia de teatro.
Jorge Castro Guedes explica que a seleção das estruturas para receber financiamento se transformou numa “situação de uma lotaria”.
“Mesmo que os júris quisessem, eles não podem atender ao históricos das estruturas artísticas, porque tal como está formulado não há nenhum campo onde a prática das estruturas – que é o mais importante -, seja avaliado, seja fator de avaliação. E, portanto, isto acaba por se transformar numa situação de uma lotaria”, afirmou, referindo-se aos critérios de avaliação dos concursos.
Segundo Castro Guedes, será muito difícil a companhia sobreviver se não houver apoios estatais e por isso foi com “estupefação que a Seiva Trupe tomou conhecimento de que, no preciso ano em que completa 50 anos de atividade em prol da Cultura e da Cidadania, foi excluída da concessão do Apoio Sustentado da DGArtes”.
A Seiva Trupe tem oito pessoas na estrutura fixa e, no último ano, teve mais de 50 unidades de trabalho entre atores e técnicos a trabalhar com a companhia.
“Deve ser uma das estruturas que criou mais unidades de trabalho durante o ano de 2022, porque produzimos muito”, disse Jorge Castro, lembrando que no último trabalho que fizeram envolveram “mais de 30 pessoas”, entre eles 13 intérpretes, e no antepenúltimo trabalho, “O crime da aldeia velha”, tiveram 14 atores em cena.
“É uma estrutura que tem gerado muito trabalho para a classe”, resumiu.
A Seiva Trupe recebeu um apoio financeiro em 2019 do Fundo de Fomento Cultural (FFC) e depois da DGArtes em 2020-2022, já fruto de uma “repescagem”, recordou Jorge Castro, referindo-se aos anteriores concursos da DGArtes.
Entre 2017 e 2018 a Seiva Trupe não teve apoio financeiro, mas não era Castro Guedes que estava à frente da companhia na altura, desconhecendo como é que sobreviveu nessa altura.
Em maio de 2018, a companhia anunciou o cancelamento da peça de Bernardo Santareno "O crime de Aldeia Velha", exatamente pela falta de fundos, perante a exclusão do programa de apoio sustentado da DGArtes, para o quadriénio de 2017-2021, e, passados sete meses, em dezembro de 2018, admitiu "fechar as portas", como o então responsável e encenador da companhia, Júlio Cardoso, disse à agência Lusa.
No ano seguinte, já sob a direção de Jorge Castro Guedes, a atividade foi retomada, com um apoio do FFC, conseguindo depois aceder a financiamento no concurso de 2020-2022, no programa de apoio a projetos da DGArtes.
Hoje, em comunicado, a companhia teatral diz-se "forçada" a cancelar de novo a peça de Bernardo Santareno, a qual contava com "um elenco de mais de 20 elementos de primeiríssima água do panorama teatral".
A Seiva Trupe manifestou igualmente o seu “desacordo" por a avaliação atual das candidaturas ser feita por "um júri Ad-Hoc”, e lembra que a companhia tem meio século de existência dedicado ao serviço público.
“Em meio século, tenha a Seiva Trupe passado por períodos melhores e períodos piores, não só nunca ela deixou de se nortear pelos valores de um Serviço Público, como, reconhecidamente, nos últimos quatro anos, procedeu a profundas renovações e passou a ter novamente espaço próprio, a que o próprio presidente da Câmara [do Porto], dada a importância desse espaço numa zona da cidade com menor equipamento cultural e dando por bom o renascimento dos tempos melhores da Seiva Trupe, atribuiu à sala, em material cénico e obras indispensáveis, um apoio muito significativo”.
No passado mês de maio, a Seiva Trupe estreou o espetáculo “Rap Global: E como, se?”, baseado no livro de poemas “Rap Global”, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos (publicado sob o pseudónimo de Queni N. S. L. Oeste), com encenação de Sandra Salomé, criação musical de Fuse e um elenco de jovens atores, em início de carreira.
“'Rap Global' transporta-nos para um mundo cada vez mais confuso, através de um texto poético, feito de sonho, dor e fúria, que recorre aos mais variados géneros performativos e a uma miscigenação estética", lê-se na apresentação do espetáculo, no qual um jovem 'rapper' “transforma em energia poética e musical a tragédia familiar e a raiva incontida, acabando por representar uma voz de todos os povos oprimidos do hemisfério sul”.
O espetáculo “Rap Global: E como, se?” será reposto, no próximo fim de semana, de 02 a 04 de dezembro, na sala M.Ou.Co., no Porto, com sessões às 21:00, na sexta-feira, e às 19:00 de sábado e domingo.
O ministro da Cultura e duas estruturas representativas dos trabalhadores do setor vão ser ouvidos no Parlamento sobre os concursos de apoio sustentado às artes 2023/2026, após a aprovação dos requerimentos de PSD, PCP e BE na passada terça-feira.