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​Congresso da APAVT

Portugal: tanto património e tão pouco acessível

11 dez, 2022 - 22:56 • Ana Carrilho

Lisboa não tem apenas a Torre de Belém ou os Jerónimos para visitar. No Porto há muito mais que a Torre dos Clérigos ou o Palácio da Bolsa. Pelo resto do país há muito património cultural para ver, mas que não está acessível: dois terços do total.

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No Congresso da APAVT, que terminou ontem em Ponta Delgada, o último painel foi dedicado à “Diversificação do produto, novos mercados e mais território”, tendo como foco o património cultural.

Catarina Valença Gonçalves, fundadora e CEO da SPIRA, divulgou números que a plateia de agentes de viagens e operadores turísticos desconhecia e que surpreenderam; em alguns casos, chocaram. Mas também geraram interesse em trabalhar para que esses monumentos acrescentem valor às suas propostas de viagens. Com ganhos para todos, já que o turismo cultural tem cada vez mais peso, sobretudo na Europa.

Pouco mais de 10% dos 38 mil monumentos estão classificados

O Estudo Património Cultural em Portugal: Avaliação do valor Económico e Social, coordenado por Catarina Valença Gonçalves e divulgado em 2020, mostra que Portugal tem mais de 38.000 bens patrimoniais imóveis, uns recuperados, outros em bom estado de conservação e a grande parte, em ruínas.

Deste total, apenas 4.575 são património classificado (a nível municipal, de interesse público ou monumento nacional). Há cerca de um milhar de monumentos nacionais e, ainda, 17 classificados como património da humanidade.

Segundo a especialista e presidente da SPIRA (empresa privada que se dedica a revitalizar o património e a aproximá-lo das pessoas, com sede em Alvito, no Alentejo) este património está bem distribuído por todo o país -- 66% está no Interior.

Mas o que mais chocou a audiência foi a informação de que apenas 250 dos 4.575 monumentos têm entrada controlada. Em 2019, receberam cerca de 20 milhões de visitantes e geraram 60 milhões de euros de receita.

Há um grande potencial desperdiçado

Os resultados seriam bem diferentes se, pelo menos, os monumentos classificados estivessem todos acessíveis aos cidadãos, conclui o estudo. Foi com base nos dados recolhidos nos 308 concelhos do país que foi feita a estimativa.

Em funcionamento, poderiam receber cerca de 56 milhões de visitantes; contribuir para a criação de mais um emprego a tempo inteiro/25 mil visitantes/ano; aumentar em 3% o emprego na hotelaria e restauração e em 3,4% o número de dormidas /município. As receitas poderiam ascender a 225 milhões de euros anuais, só em bilheteira.

Falta uma Estratégia Nacional para o Património Cultural

Sem rodeios, Catarina Valença Gonçalves, critica a falta de uma Estratégia Nacional para o Património Cultural e lamenta que seja uma empresa privada, como a SPIRA, que tem esse cuidado, há dez anos.

Uma estratégia que, na sua opinião, deveria basear-se numa gestão de proximidade assente em parcerias, incluindo público-privadas, com certificação dos produtos de turismo cultural e paisagístico e aposta na adaptação da formação de nível IV na área do património.

“No turismo, só se faz formação em restauração e hotelaria, zero de formação em património cultural. Como cidadãos, estamos a financiar o despovoamento do país. Qual é o miúdo que se apanha com uma formação em informática e fica a trabalhar nos 66% do território que também têm património cultural?", questiona a empresária e investigadora.

Porque não curtimos o património cultural?

Para Catarina Valença Gonçalves, não há dúvida de que é preciso mudar mentalidades. “Achamos sempre que o património é secante, fechado. É mentira. É fascinante, se a informação for partilhada. Porque não curtimos o património cultural?", questiona.

Tornar o património mais acessível pode passar pela adoção de cartões de fidelização, lotarias do património ou iniciativas de massas como os concursos televisivos ou sorteios em que o tema é tratado com leveza, defende a fundadora da SPIRA.

O estudo sobre o património cultural em Portugal propõe cerca de duas dezenas de medidas para o tornar mais atraente e próximo das populações e dos turistas.

Para começar, o património deve ser visto como um bem coletivo, estratégico no desenvolvimento económico e social do país. Com direito à fruição e à participação cívica na gestão do bem patrimonial.

E a realização de obras em alguns monumentos, na opinião da especialista, não teria de obrigar ao encerramento total ou parcial. Defende ainda a realização de atividades que acompanhem essas obras, que levem as pessoas a perceber a história daquele edifício ou de alguma das suas partes, as reparações necessárias. Mesmo o edificado em ruínas tem história e pode ser contada. Em suma, aproximar mais os cidadãos do património. Uma prática já em uso nalguns países europeus.

Por outro lado, Catarina Gonçalves considera que é necessário abrir as portas de muitos monumentos que estão quase sempre fechados (por exemplo, igrejas) para que as pessoas possam visitá-los ou até, participar em iniciativas diversas, como concertos, palestras, conferências, espetáculos.

Há gestores de património que gostam mais de pedras do que de pessoas

E como é que essas portas que estão fechadas se podem abrir para que os turistas possam usufruir deles? O que é que as agências de viagens podem fazer para mostrar esse património, contribuir para o desenvolvimento da zona e, por outro lado, valorizar as suas propostas turísticas? Foram perguntas que surgiram da plateia do Congresso.

Para Catarina Valença Gonçalves, há uma regra básica: é preciso estar disponível para ir conhecer o território, falar com as pessoas e procurar parcerias de proximidade. Um trabalho feito cara a cara porque essas pessoas não estão disponíveis para só falar por mail.

Lamenta ainda que haja gente que gere o património cultural para quem é indiferente se há ou não visitantes. “Muita dessa gente não gosta de pessoas; gosta de pedras porque elas não fazem perguntas. E o turismo gosta de pessoas, que comentam e questionam”.

A cultura é a grande oportunidade do turismo

Álvaro Covões, fundador e diretor geral da Everything is New, que também participou no painel, deixou mesmo o desafio aos operadores turísticos: ou se contentam com o produto que têm; ou querem crescer e para isso têm de trabalhar e criar ou valorizar os seus produtos. “É sobretudo para quem quer fazer negócio”.

E, na opinião do empresário, a cultura é a grande oportunidade: “Segundo a União Europeia, o turismo cultural representa 40% do turismo na Europa. E nós, que temos tanto património, continuamos a desvalorizá-lo ou pelo menos a não o aproveitar da melhor forma”.

Valorização que também passa por boas campanhas de divulgação e publicitárias. Dando como exemplo o recém-inaugurado Museu do Tesouro Real, Álvaro Covões considera que não tem sido suficientemente divulgado. “As joias reais são um conteúdo absolutamente extraordinário. (O Museu) era para estar esgotado nos próximos 6-7 meses”.

E sublinha que o património e a cultura são essenciais para criar produto turístico.

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