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Castigos corporais

Quase 30% de trabalhadores com crianças consideram aceitáveis gritos e bofetadas

14 dez, 2022 - 15:56 • Liliana Monteiro

O Instituto de Apoio à Criança realizou um inquérito que revela que os mais velhos infligem mais castigos nos filhos ou netos, que as pessoas com maior nível de instrução conversam mais com os menores e jovens. Entre os motivos para os castigos estão o facto de as crianças não obedecerem e desafiarem o adulto.

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Há ainda um percurso social a fazer para que os castigos corporais a crianças não sejam aceites como normais, como ainda são atualmente, foi uma das principais mensagens deixadas no segundo encontro do Instituto de Apoio à Criança (IAC), que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, subordinado ao tema "Castigos corporais nunca mais, nem mais uma palmada".

Foram ouvidas 1.943 pessoas, na sua maioria mulheres, todas com idades entre os 18 e os 85 anos, e as respostas dos participantes revelaram que três em cada dez pessoas aceitam castigos a crianças e os tomam como normais no exercício da disciplina.

A desobediência dos menores e jovens, serem malcriados e não cumprirem com as regras da família estão entre as principais razões alegadas pelos inquiridos para os castigos.

E há uma diferença entre os mais novos e os mais velhos. “Os participantes mais velhos usam mais o ralhar, o gritar, ameaçar, dar bofetadas e bater com objetos e menos o verbalizar sentimentos, tranquilizar e negociar. Acreditam que as crianças devem sempre obedecer aos pais. Pelo contrário os que têm estudos mais elevados usam mais o conversar com a criança como estratégia disciplinar do que dar castigos. Têm visão menos tradicional da autoridade parental”, explica Fernanda Salvaterra, psicóloga do desenvolvimento responsável pelo estudo do IAC.

Mais de 400 pessoas que responderam trabalham com jovens, na área do ensino, saúde, comissões, casas de acolhimento.

“Vinte e oito por cento dos participantes que trabalham com crianças consideram poder usar castigos corporais com crianças em todas as idades analisadas, o que é preocupante”, sublinhou Fernanda Salvaterra que se mostrou igualmente preocupada com as 300 pessoas que responderam que consideram a possibilidade de usar castigos corporais em bebes.

Quando questionados com que frequência admitem usar castigos: 52% considera usar palmada, 15% carolos e puxar orelhas, 17% estalos, 5% bater com objetos.

Quando se questiona se ralham ou gritam, 95% admitem que usam esse tipo de ameaça.

Jovens chegam aos Centros Educativos cada vez mais tarde

Presente na sessão de abertura do encontro o vice-procurador-geral da República, Carlos Teixeira, afirmou que “é necessário um esforço do Ministério Público e dos tribunais seja na área crime o da família para que se consiga erradicar a prática aceite e normalizada dos castigos corporais”.

Fazendo a analogia entre os castigos e os efeitos que as agressões têm ao longo da vida das crianças, jovens e adultos, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, alertou para uma realidade: “os jovens chegam aos Centros Educativos cada vez mais tarde, aos 16 anos e com percursos desviantes mais complexos, não havendo o devido alerta social e quando chegam às medidas tutelares educativas, chegam tarde demais”.

Acrescentou ainda “é um alerta de mentalidade para olharmos com outros olhos para o direito que os jovens têm de ser educados e a tempo ajudarmos a terem uma vida plena e digna como todos merecemos”.

“A vida é uma negociação e não a imposição de uns sobre os outros”

Henrique Barros, professor da Faculdade Medicina do Porto e mentor do estudo Geração 21, realizado há uns anos, recorda que faz agora 60 anos que foi descrito o Síndrome da Criança Espancada e lembra que “foi a partir do mundo da saúde, nas urgências e nos hospitais que saiu este grande alerta para a sociedade em geral: os castigos trazem consequências que têm efeitos na vida adulta”.

Em declarações à Renascença, sublinha que “os castigos físicos não são só um problema físico, uma criança vítima de violência é uma criança que sofre de uma doença e alterações crónicas responsáveis por doenças como enfartes do miocárdio, cancros, etc.”.

O responsável lembrou também que, clinicamente, não há razão imediata para algumas patologias, mas que por trás estão acontecimentos de vida graves.

“Bater no rabo é tao mau como bater na cabeça”, diz Henrique Barros, garantindo que o problema não é a mágoa física, mas a íntima, “é uma espécie de um fogo que fica lentamente aceso e destrói a saúde psicológica e física”.

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