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Abertura do Ano Judicial

“Legisla-se e administra-se demais para o passado”, diz Marcelo

10 jan, 2023 - 17:52 • Diogo Camilo

Na abertura do ano judicial, o Presidente da República propôs que se repense as orgânicas, procedimentos e recursos do sistema de justiça, considerando que a “justiça exercida num determinado contexto” é “justiça inevitavelmente sofredora e sofrida”.

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, criticou esta terça-feira que a legislação e a administração no Direito “não cessam de abundar em quantidade e carecer de vagar” e que a “justiça exercida num determinado contexto” é “justiça inevitavelmente sofredora e sofrida”.

Na abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, Marcelo lembrou que a sessão solene não se realizava em janeiro desde 2020 e deixou cinco reflexões sobre a justiça, propondo que se repense as orgânicas, procedimentos e recursos do sistema de justiça, através de uma abordagem global que, no seu entender, exige, "ao menos implícitos, consensos vastos de regime".

O chefe de Estado começou por indicar que a pandemia e as crises financeiras dos últimos anos “não diminuíram a importância da justiça, só a aumentaram” e que só uma “visão redutora” é que diz que “a justiça perdeu relevo”.

“Podem parecer essenciais a saúde, salários, rendimentos. Podem parecer e são, mas cabe ao direito e à sua aplicação muita da garantia de que tais preocupações recebem a devida proteção”, afirmou.

Para Marcelo, a justiça que ganha mais importância em tempos de crise “não é só a que envolve mais litígios" e respostas imediatas, “é a justiça que tem horizontes mais vastos”, numa “perspetiva de longo fôlego”.

"A justiça com perspetiva de longo fôlego é porventura incompatível com algumas orgânicas ou procedimentos ou recursos humanos, financeiros e materiais concebidos para outra sociedade, outra economia, outra vivência cidadã", considerou o chefe de Estado.

Assinalando as mudanças ocorridas em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que "o que mais se impõe é ir olhando para todo o edifício judicial e quanto a ele ir detetando o que já não corresponde aos novíssimos desafios de uma comunidade mais aberta, mais internacionalizada" e também, "em contraponto, fruto das crises, mais dualista, ou seja, menos coesa, mais assimétrica".

Para o Presidente da República, a justiça deve “aproximar o seu tempo do tempo social, sabendo que será sempre em qualquer caso mais lento”.

Marcelo considera que “nem só de poder judicial em sentido orgânico se faz a justiça” e que “a legislação e administração não cessam de abundar em quantidade e carecer de vagar para corresponder em quantidade”.

“Legisla-se e administra-se demais para o passado. Retroage-se ou retroverte-se em demasia, recorre-se ao excecional, à míngua do geral e mesmo especial. Converte-se em premente quase tudo. A justiça exercida num tal contexto é justiça inevitavelmente sofredora e sofrida”, diz.

Na sua quinta e última reflexão, Marcelo lembrou que os valores sociais mudam e a democracia define-se por respeitar e cultivar essa mudança e o pluralismo da sua expressão

“A mudança tem sido no sentido de mais e melhores direitos. Em suma, mais e melhor estado social de direito. Mas e se a mudança for no sentido oposto?”, questionou.

O Presidente da República perguntou se deve a legislação, a administração e depois a justiça, “acompanhar ou mesmo acelerar essa mudança”, lembrando a importância da Constituição que “dá valizas” sobre o estado democrático de direito.

“Vale a pena reafirmar que os valores personalistas e humanistas, valores fundamentais que a Constituição se quis e deve querer ser portadora, são irrenunciáveis e inegociáveis. Neles começa e por eles passa. E com eles deve afirmar-se a justiça que hoje aqui evocamos”, terminou.

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