18 jan, 2023 - 07:00 • Marta Pedreira Mixão , Cristina Nascimento
Antecipando a nova ronda negocial com o Ministério da Educação, Francisco Gonçalves, secretário-geral adjunto da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), revela que “as expectativas não são elevadas”.
“Se de facto houvesse uma preocupação em resolver estas questões, já teriam sido apresentadas as propostas. Aliás, amanhã vão ocorrer já algumas reuniões, as outras são na sexta-feira e não há nenhuma proposta aos sindicatos sobre nenhuma das matérias que estão em cima da mesa”, refere. Francisco Gonçalves acusa ainda o Ministério de ter “intenções vagas”.
“Tendo em conta o que se tem passado nos últimos dias, leva-nos a crer que poderemos estar perante a apresentação de propostas que ficam muito aquém daquilo que é necessário”, antecipa.
Já para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), é importante que nas reuniões esteja “uma entidade essencial, que é o Ministério das Finanças”, pois caso contrário, “podem não ter eficácia nenhuma”.
“Porque o Ministério da Educação pode ter ideias fantásticas, os sindicatos podem ter propostas exequíveis, mas se não estiver presente alguém que valide tudo isto, que é o Ministério das Finanças, estas boas intenções de parte a parte, podem ir por água abaixo”, explica.
Ao contrário de Francisco Gonçalves, Filinto Lima tem esperança de que “vai haver algum fumo branco amanhã ou sexta-feira”.
Para a ronda negocial que agora começa, o presidente da ANDAEP apela a um diálogo sem tabus.
“Acho que devem estar em cima da mesa os principais problemas dos professores, ou seja, nestas reuniões não podem existirem tabus. Acho que deve ser discutido os seis anos, seis meses e 23 dias. Foram anos que as pessoas trabalharam e que não contaram para nada. É preciso discutir o modelo injusto e aberrante de avaliação dos professores e diretores, que não interessa a ninguém. É preciso discutir também os apoios, que não existem, na deslocação e na estadia daqueles professores que estão a centenas de quilómetros de casa”.
Questionado sobre o motivo que levou a um acentuar da luta dos professores, Francisco Gonçalves explica que “os problemas são antigos” e a estagnação e falta de respostas aos problemas do setor levou “uma insatisfação latente”.
“Este ano letivo, a tudo isso, junta-se uma intenção clara de alterar, profundamente, o regime de seleção e recrutamento docente, os chamados concursos, que acabou por ser a gota de água que fez transbordar o copo”.
Para a Fenprof, não estão só em causa as condições de trabalho e carreira dos professores, “acaba por estar em causa a própria escola pública”, pois Francisco Gonçalves considera que não há profissionais valorizados e que “não é por acaso que faltam professores”.
Contudo, a desvalorização salarial também é um dos motivos desta luta.
“Um professor em 2005, que tivesse o mesmo tempo - de 25/30 anos - de serviço, ganhava mais quase 1.000 € do que ganha hoje. Não estou a falar da Suécia, estou a falar de Portugal. Ou seja, há cerca de 18 anos, um professor nas exatas condições que hoje tem o mesmo professor com o seu tempo de serviço, ganhava mais dinheiro do que ganha do que ganha hoje”, justifica o secretário-geral adjunto, referindo ainda que em “comparação ao nível da aposentação e até dos horários de trabalho sobrecarregados, as coisas hoje são significativamente piores”.
A recuperação total do tempo de serviço dos professores é um dos pontos a negociar e a Fenprof refere que está disponível para que essa recuperação seja feita de forma faseada.
“Até já demos várias vezes como exemplo o que se passava nos Açores, em que esse processo de recuperação do tempo não contado é faseado, relativamente a isso não há nenhum problema de fundo para nós. É perfeitamente possível estudar essa possibilidade”, sugere Francisco Gonçalves.
Porém, reitera que o problema é que “não há nenhuma proposta concreta por parte do Ministério para nenhum dos problemas, nem dos estruturais nem da questão dos concursos”.
Francisco Gonçalves defende que é “preciso ter propostas para resolver estes problemas” e relembra que já foi entregue “uma proposta de protocolo negocial”, que visa vários contos que deveriam ser “resolvidos ao longo da legislatura”.
“Da nossa parte, há toda a flexibilidade para resolver estes problemas, porque, como há pouco referi, percebemos perfeitamente que é impossível resolver estes problemas que se foram acumulando ao longo de mais de uma década e que não é de um momento para o outro que se resolvem, mas é preciso dar sinais nesse sentido”.
A CONFAP quer que, em casos de greve, haja escolas que abram para assegurar condições a alunos que não podem ficar em casa e refere ter recebido relatos de “situações muito criticas que têm deixado a segurança das crianças em risco”.
Mariana Carvalho, presidente da Confederação das Associações de Pais, diz que, embora tenham sido pontuais, há até casos de alunos postos na rua na sequência de greves.
Apesar de Filinto Lima recusar a acusação, referindo que “as escolas não colocam ninguém na rua”, a presidente da CONFAP contrapôs, relatando dois casos: “No dia 9 deste mês, às 15h00, em Loures, os alunos foram colocados fora da escola e foi aí que foi chamada a PSP. Sei que foram pelo menos dois casos que aconteceram. Felizmente, foram casos únicos, mas isso tem acontecido. Em Alcochete também aconteceram situações em que, por motivo de greve, os alunos foram colocados fora das instalações da escola”.
Para evitar cenários destes, a CONFAP apela a serviços mínimos no setor, explicando que o objetivo é garantir a abertura de algumas escolas para alguns alunos, à semelhança do que ocorreu durante a pandemia para os filhos dos trabalhadores essenciais.
“Há crianças que só têm uma refeição quente por dia, que é na escola, que tomam o pequeno-almoço na escola, que tomam banho na escola. E é por todas essas crianças que nós decidimos solicitar uma contingência especial para elas. Não foi com a intenção de abram uma escola para nós colocarmos todos os nossos filhos”, explicou Mariana Carvalho.
A presidente da CONFAP, destaca ainda “o descontentamento e cansaço” que os pais sentem nos professores.
“Nós também sentimos isso e é por isso que também temos estado sempre com as escolas, a tentar apoiar os professores”, refere, destacando a necessidade de “valorização” dos professores.
Francisco Gonçalves diz que se nada se fizer, a qualidade da classe docente vai voltar aos níveis dos anos 80, quando, por via do grau de escolarização da população em geral, havia muitos professores nas escolas que não tinham formação para professores.
“Podemos estar a caminhar para uma situação semelhante à que tínhamos nos anos 80, em que aí não havia professores qualificados em número suficiente", afirma, sugerindo que tal se deve a "erros político que foram cometidos ao longo de vários anos e por vários governos". Contudo, ressalva, "ainda estamos a tempo de arrepiar caminho, até porque há muitos professores que são professores de formação, que já exerceram ou estão noutras profissões, que podiam ser recuperados se a profissão fosse valorizada, era possível também que os próprios jovens sentissem e vissem nesta profissão".
Filinto Lima mostrou-se particularmente preocupado com o que carateriza como uma “desunião sindical”.
“Há de facto uma desunião sindical, o que me assusta um bocadinho. É uma altura de luta dos professores. Esta situação é genuína, é pura, é dos professores e eu gostaria de ver os sindicatos unidos e neste momento isso não está a acontecer. Daria mais força aos professores que estão a lutar, que estão nas manifestações, nas vigílias, nas greves”, justifica.
“É esse apelo também que eu faço aos sindicatos que não estão unidos e que deviam convergir, porque todos temos um objetivo que é resolver este problema dos professores no mais curto espaço de tempo possível”, refere.
A Fenprof também apela à convergência na ação dos professores: "Temos de ter em conta as nossas diferenças e trabalhar mais sobre aquilo que nos une e não que nos separa".
Entre as prioridades para o setor da Educação, a CONFAP defende a criação de "gabinetes de apoio a saúde mental da comunidade educativa".
"Pedimos um programa de saúde, um programa nacional de diagnóstico da saúde mental emocional, com gabinetes de apoio à comunidade educativa, constituído por equipas multidisciplinares no terreno, para que dentro da escola seja possível identificar e apoiar os professores e a comunidade educativa",
A CONFAP pede ainda uma carreira especifica para assistentes operacionais e a colocação de professores.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP, destaca a necessidade de "dignificar a cadeira docente com mais apoio efetivo aos diretores", apela a mais investimento na Escola Pública e uma aposta mais forte na educação especial.
"É necessário que nesta área estejam nas escolas mais professores da educação especial, mais terapeutas, para fazerem face ao número enorme de alunos que neste momento temos nas escolas com necessidades específicas. Acho que assim teríamos uma escola ainda mais feliz", refere.
A Fenprof, por sua vez, reitera a necessidade de vincular os professores contratados, acabar com a descriminação salarial e recuperar o tempo de carreira não contabilizado.