26 jan, 2023 - 14:32 • Lusa
O presidente da Assembleia da República defendeu esta quinta-feira que as redes sociais devem ser reguladas, considerando que não podem ser “uma espécie de zona livre”, e alertou que estão a “enfraquecer as instituições de enquadramento das pessoas”.
Num encontro com estudantes universitários na Universidade Nova de Lisboa sobre o tema “A democracia parlamentar na era das redes sociais”, em que esteve acompanhado pelo presidente do Senado de Espanha, Ander Gil García, Augusto Santos Silva começou por reconhecer que, apesar de terem algumas vantagens, as redes sociais constituem também “um desafio” para as sociedades democráticas.
“A imediaticidade da comunicação, a tendência ao tribalismo, a polarização, a dispensa da mediação jornalística ou da verificação analítica, tudo isto enfraquece as instituições de enquadramento das pessoas, sejam elas as escolas, os partidos políticos, as associações de estudantes, sejam as organizações não-governamentais… Todas elas”, salientou, reconhecendo que se trata de uma visão "um bocadinho pessimista", mas "realista".
O presidente do Parlamento considerou, contudo, que seria negativo abordar as redes sociais da mesma forma que os luditas abordaram a revolução industrial em Inglaterra no início do século XIX, referindo-se ao movimento de trabalhadores ingleses que “pensavam que, destruindo as máquinas, conservavam o emprego”.
“Nós não devemos ser luditas agora, isto é, não devemos pensar que, destruindo as redes sociais, salvamos as nossas democracias”, afirmou.
Santos Silva defendeu que, pelo contrário, o esforço deve ser o "de intervir, nas instituições democráticas, e como democratas, também nesse ecossistema”.
“A minha opinião é que nós não devemos pensar ou aceitar que as redes sociais sejam uma espécie de zona livre da regulação democrática.”
Santos Silva reconheceu que essa regulação é uma “questão que divide muito” as sociedades e frisou que poderia ter como consequência que as redes sociais passassem a estar sujeitas às “mesmas leis monopolistas” que as empresas que “vendem cimento ou géneros alimentícios”.
Segundo Santos Silva, “todas essas empresas, numa democracia, estão sujeitas a uma intervenção pública quando se convertem em monopólios, quando têm práticas anticoncorrenciais”.
“Se aplicarmos isto em relação à economia e ao modelo de negócio das redes sociais, há muitas lutas que temos que fazer”, referiu.
Por outro lado, o presidente da Assembleia da República reconheceu também que essa intervenção teria consequências quanto aos “instrumentos de regulação dos conteúdos que circulam nas redes sociais”.
“Se entendermos que o que se diz e escreve nas redes sociais deve estar sujeito às mesmas regras do que se diz e escreve nos jornais, nas rádios ou nas televisões, então isso significa obrigar aqueles que dominam as redes sociais a intervir, limitando a liberdade de expressão”, sublinhou.
Depois de interpelado pelos alunos sobre o facto de as redes sociais poderem ser consideradas “ditaduras digitais totalitaristas”, Santos Silva recuperou essa expressão para salientar que o risco de se cair “numa ditadura digital é um risco real”, designadamente se se verificar “um estreitamento do espaço democrático em resultado de poderes económicos ilegítimos, designadamente de monopolização”.
“De acordo com a União Europeia (UE), nós hoje corremos esse risco face a empresas como a Google ou similares e por isso é que tem havido decisões europeias no sentido de punir as práticas monopolísticas dessas empresas e isso parece-me absolutamente essencial: controlar o poder económico é uma das principais responsabilidades do poder político”, sustentou.
Após a intervenção de uma aluna sobre o facto de, desde que o magnata Elon Musk comprou a rede social Twitter, as pessoas poderem comprar um “selo de verificação”, sem qualquer tipo de avaliação prévia do seu perfil, Santos Silva salientou que esse seria precisamente um dos primeiros aspetos que deveria ser alvo de regulação.
“Da mesma maneira que, em Portugal, a nossa Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) intervém quando sabe que o supermercado está a vender laranjas podres, da mesma forma o regulador das comunicações deveria intervir para impedir essa fraude, que é eu poder comprar um título de veracidade”, sublinhou.
Por sua vez, o presidente do Senado de Espanha, também mostrou preocupação com a “dificuldade em estabelecer-se uma regulação democrática de plataformas globais com regulações nacionais”.
“É verdade que a União Europeia, esse espaço de governança mais global, começou a dar alguns passos nesse sentido (...), mas uma das maiores dificuldades que encontramos é precisamente essa: estamos a responder a fenómenos globais com regulações nacionais. Precisamos de reforçar os espaços de regulação global”, defendeu.