17 fev, 2023 - 16:21 • Ricardo Vieira
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma que não notificou o ex-padre José Anastácio Alves, arguido num caso abusos de menores, e refere que a sua detenção era “inviável” por não existir um mandado judicial.
O antigo sacerdote apresentou-se na quinta-feira nas instalações da PGR, em Lisboa, acompanhado pelos seus advogados para que “fosse constituído arguido e notificado da acusação”, começa por explicar a PGR, em comunicado.
Apesar de se dirigir à Procuradoria, José Anastácio Alves acabou por não ser notificado e foi encaminhado para o tribunal onde corre o processo, na Madeira.
“A notificação da acusação é um ato processual que deve ser realizado no âmbito do concreto processo (artigo 283.º, n.º 5 e 6 do referido Código de Processo Penal), o que foi informado aos advogados presentes”, refere a PGR.
Abusos na Igreja
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O gabinete da procuradora Lucília Gago refere, depois, que “no processo não foi determinada pelo magistrado titular a emissão de mandados de detenção nacionais ou internacionais, pelo que se revelava inviável a detenção do arguido”.
Essa informação foi transmitida aos advogados do antigo padre, refere a PGR.
A defesa de Anastácio Alves critica a burocracia do organismo e defende que a “justiça não quer qualquer tipo de colaboração”.
Em declarações à Lusa, o advogado Miguel Santos Pereira explica que o padre do Funchal – sobre quem o Ministério Público acionou em janeiro um pedido de cooperação internacional para notificar o arguido da acusação - esteve a viver durante o último ano em Portugal “de forma tranquila” e questiona as diligências efetuadas para a sua localização, acrescentando que nada pôde ser formalizado esta quinta-feira na PGR.
Segundo o Observador, o padre Anastácio Alves tentou na quinta-feira entregar-se na PGR em Lisboa, mas acabou por não ser recebido pela procuradora-geral da República, Lucília Gago, nem notificado formalmente da acusação do MP.
“Fica difícil colaborar com a justiça, ainda mais numa semana em que é dado à estampa um relatório sobre abusos na Igreja. Todos nós batemos com a mão no peito – o MP, a Igreja, todos - e quando, afinal, queremos efetivar as coisas, parece que ninguém sabe o que anda a fazer. Isto é triste. Não é um problema da justiça, é um problema do país. Reflete o que é o país em termos de burocracia, somos um país de ‘mangas de alpaca’”, afirma.
Instado a descrever o que aconteceu na quinta-feira, Miguel Santos Pereira revela que acompanhou o padre Anastácio Alves à PGR, tendo em conta que foi esta entidade “que emitiu este pedido de cooperação judiciária internacional”, mas assumiu o “espanto” por não serem recebidos.
“Não sabiam o que fazer, pediram-nos para irmos a outro departamento e fomos recebidos no Departamento de Cooperação Judiciária pela procuradora Joana Ferreira, responsável deste departamento, que nos disse que não era competente para cumprir qualquer tipo de ato, porque o pedido tinha sido feito a França por aquele departamento e nós não estávamos em França, estávamos em Portugal, e, portanto, ela não podia fazer nada”, conta.
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Pediram, então, para ser recebidos por Lucília Gago ou por um assessor mais próximo, disseram-lhes que seriam ouvidos e, passados cerca de 30 minutos, foram avisados de que, afinal, isso não seria possível e que deveriam dirigir-se ao tribunal do Funchal, de onde o processo é originário, embora o advogado rejeite esta interpretação.
“Nem precisava de existir cooperação judiciária internacional, basta conhecer a lei. Nesta circunstância, havendo acusação ou notícia de crime, um advogado ou a própria pessoa apresentar-se perante uma autoridade judiciária, como é a PGR, e não ser recebido só demonstra que a justiça está completamente desfasada entre aquilo que deve ser e aquilo que acontece na prática”, salienta.
Miguel Santos Pereira revela também que o contacto partiu da família do padre e que isso ocorreu ainda antes de ser conhecido na segunda-feira o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que recebeu 512 testemunhos validados, extrapolando a existência de, pelo menos, 4.815 vítimas.
“[Anastácio Alves] estava e está disposto a apresentar-se, assumir as suas responsabilidades, colaborar com a justiça e, na medida do possível – talvez como ato de redenção – auxiliar as vítimas”, garante o advogado, acrescentando: “Só soubemos do paradeiro do padre esta semana, na quarta-feira à noite. Na quinta de manhã fomos buscá-lo e dirigimo-nos à PGR”.
Em nome da lei
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Assumindo porque o ex-sacerdote decidiu apresentar-se agora às autoridades, após ter estado anos em parte incerta, o advogado adianta que vai entregar um requerimento para que Anastácio Alves seja constituído arguido e notificado da acusação em Lisboa, “porque está a residir no continente e não na Madeira, de onde é oriundo”, interrogando-se sobre os esforços do MP para a localização do padre.
“Que diligências foram feitas pelos órgãos de polícia criminal e pelo MP para notificá-lo? Pelo menos no último ano o padre Anastácio Alves tem estado em Portugal, a viver a sua vida de forma tranquila. O que é que fizeram? Não fizeram nada. Se estiver enganado pedirei desculpa, mas vão ter de dizer aos portugueses e às vítimas o que foi feito para notificar o padre Anastácio Alves da acusação”, finaliza.
De acordo com uma nota divulgada no ‘site’ do MP em janeiro deste ano, o ex-padre madeirense foi acusado em março de 2022 de quatro crimes de abuso sexual de crianças e um crime de atos sexuais com adolescente, tendo sido realizadas diligências para o localizar, em França e Portugal, que “resultaram infrutíferas”.
Em setembro de 2018, quando o padre Anastácio Alves exercia funções em França, a Diocese do Funchal comunicou o seu afastamento da ação pastoral por suspeita de abuso sexual de um menor na região autónoma.
Bispos voltam a pedir desculpa a todas as vítimas.(...)
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas, um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care, projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores. São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar, do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: