05 mar, 2023 - 21:05 • Fábio Monteiro com Lusa
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O cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, afastou este domingo a suspensão de alegados padres abusadores de menores sem que haja "factos comprovados, sujeitos a contraditório" e um processo canónico feito pela Santa Sé.
E rejeitou também o cenário, quando questionado pelos jornalistas, de as vítimas virem a ser indemnizadas pela Igreja.
“Até acho isso um bocadinho, desculpem-me a expressão,
insultuoso para as vítimas. É porque a generalidade das vítimas… não falou nenhuma
delas em indemnização.”
Em declarações à RTP, SIC e Renascença após a procissão do Senhor dos Passos, em Lisboa, D. Manuel Clemente salientou que Portugal é um "país de lei e qualquer pessoa que seja acusada tem de saber do que é que é acusada".
"Aquilo que nos foi entregue pela Comissão Independente foi uma lista de nomes. Se essa lista de nomes for preenchida por factos, tanto nós como as autoridades civis podemos atuar. [...] Da parte da Igreja, estamos completamente disponíveis para procurar a resolução deste problema, em colaboração, claro está, com as entidades civis e canónicas", afirmou o cardeal patriarca de Lisboa.
Questionado se a resolução do problema pode passar pela suspensão imediata dos alegados padres abusadores de menores, Manuel Clemente respondeu: "Essa é uma pena muito grave, é a mais grave que a Santa Sé poderá dar e é a Santa Sé que a poderá dar".
"Se nós tivermos factos, e factos comprovados e sujeitos a contraditório, claro - nós estamos num país de direito e de leis - só pode ser feita pela Santa Sé, não é uma coisa que um bispo possa fazer por si", referiu.
Especial multimédia
A voz das vítimas, a resposta da igreja, os casos (...)
Interrogado se os padres em questão não podem ser suspensos preventivamente, o cardeal patriarca de Lisboa voltou a descartar esse cenário, referindo que "não pode ser porque é sujeito a contraditório".
"A suspensão é uma pena, como disse, muito grave, que só pode ser dada pela Santa Sé depois de um processo canónico. Na lei civil, todos os casos são do conhecimento do Ministério Público e o Ministério Público atua conforme a lei e nós cá estamos para colaborar", disse.
Confrontado com as declarações do bispo emérito das Forças Armadas - que, em entrevista à RTP, defendeu a suspensão preventiva de alegados padres abusadores de menores e considerou que os bispos que encobriram esses casos "não servem para o lugar que ocupam" -, Manuel Clemente referiu que "essas palavras são de quem as proferiu".
"Eu não sei se há esses casos. Se houver esses casos, têm de ser tratados como tais e atendendo a um facto: a legislação atual não é a legislação de há dez anos, nem civil, nem canónica. E muito menos de há 20 e de há 30", referiu.
Segundo o cardeal patriarca de Lisboa, "muitos dos casos em apreço" são de "há 50, 60, de há muitos anos", numa altura em que "a legislação não era nada disto, nem sequer era crime público, nem era um crime contra as pessoas, eram meros atentados ao pudor que eram tratados com boas palavras".
"A gente tem de situar isto em cada momento que aconteceu. Agora, tudo o que tiver de ser feito, vai ser feito. Nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto", sublinhou.
D. Manuel Clemente assegurou que a Igreja irá fazer "tudo aquilo" que puder de acordo com a lei.
"Nós não podemos inventar a lei, nem a civil, nem a canónica. Tudo aquilo que puder ser feito segundo a lei, será feito segundo a lei. Mas não nos peçam outra coisa, que também não poderíamos ser mais... Agora, disto podem ter a certeza: nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto", disse.
Interrogado se considera que o memorial para as vítimas dos abusos sexuais, que será apresentado durante a Jornada Mundial da Juventude, é suficiente, D. Manuel Clemente respondeu: "A única coisa que é suficiente é nunca mais haver coisas destas".
"É isso que nós queremos, porque só um caso já era demais. Isso é que é suficiente e bastante", disse.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt