15 mar, 2023 - 22:09 • Ricardo Vieira
"Suborçamentação" crónica, falta de planeamento e de recursos, navegação à vista e uma “realidade insuportável e desumana” no Serviço Nacional de Saúde (SNS), é este o cenário traçado pelo novo bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes.
“O Orçamento do Estado prevê 6,8% do PIB para a despesa pública em saúde, 2% abaixo da média europeia. Com anos sucessivos de suborçamentação continuo a aguardar que as palavras de afeto sobre o SNS tomem realmente forma”, apelou o bastonário, na cerimónia de tomada de posse.
Carlos Cortes fez um diagnóstico da situação no SNS e identificou que "não existe nenhum levantamento das necessidades e insuficiências que permita um verdadeiro planeamento económico, estratégico e de recursos humanos".
"Mantém-se, na gestão em saúde, o princípio arcaico da navegação à vista, sem qualquer perspetiva de médio ou longo prazo, ou sequer além de um mandato eleitoral. Os dados, os números e as estatísticas confluem nesta realidade insuportável e desumana“, sublinha.
Carlos Cortes considera que os doentes são empurrados para as urgências hospitalares por falta de "alternativas viáveis".
“ Nenhum país do mundo resiste a este grau de ‘urgencialização’ de todo o sistema de saúde. As listas de espera para cirurgia e consultas crescem exponencialmente na medida do tempo, por insuficiência de recursos humanos, mas também, e não o podemos esquecer, por falta de salas de bloco operatório ou de gabinetes de consulta", sublinha.
O novo bastonário, que sucede a Miguel Guimarães, considera, ainda, que "é impossível" ignorar as dificuldades e o impacto que este retrato tem sobre os médicos e o seu trabalho.
"O impacto sobre a definição clara do seu papel no sistema de saúde devido a uma carreira médica anacrónica e desvalorizada, e a uma remuneração incompatível com o seu elevado grau de diferenciação e responsabilidade", lamentou Carlos Cortes, num discurso ouvido pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro.
Carlos Cortes alerta ainda para o impacto "sobre a qualidade da formação médica e sobre a capacidade de investigação tão importantes para o desenvolvimento técnico e científico da Medicina".
A intervenção do novo bastonário também destacou "a falta de condições de trabalho adequadas nos hospitais e nos centros de saúde, elementos desmotivadores que cursam com a dificuldade de captação e fixação dos recursos humanos médicos necessários ao funcionamento do SNS".
Na sua primeira intervenção oficial com bastonário, Carlos Cortes assumiu também o compromisso de “edificar pontes, de valorizar o diálogo e de construir, ou ajudar a construir, as soluções que o país precisa”, assegurando que não estará disponível para o “conflito permanente”, mas que será “permanentemente exigente”.
Anunciou que vai propor, no âmbito da OM, a criação de um Centro Nacional da Evidência Médica e Investigação em Saúde para defender a melhor a intervenção médica, estimular a investigação e combater as práticas sem evidência científica.