16 mar, 2023 - 08:00 • Isabel Pacheco , Sérgio Costa
Há cada vez mais famílias a residir em espaços como lojas, garagens ou caves sem licença de habitação.
Há famílias obrigadas a dividir apartamentos ou a alugar quartos por mais de 650 euros/mês.
Este é um retrato da habitação em Portugal, descrito pela Cáritas no dia em que o Governo aprova formalmente algumas das medidas do plano "Habitação Mais".
O cenário é particularmente difícil em Braga, um dos concelhos onde as dificuldades na habitação são mais visíveis, tendo o assunto sido já objeto de de debate em Assembleia Municipal.
A sobreocupação de residências ou a falta de condições dignas para se viver são alguns dos casos que chegam ao conhecimento da Cáritas Arquidiocesana de Braga.
Mónica Martins é técnica da instituição de solidariedade da Igreja e relata, à Renascença, uma realidade que, diz, se tem “agravado os últimos tempos”.
“Já atendemos situações de famílias de 11 pessoas a dividirem um apartamento T3. Parece-me inconcebível, mas é a solução que encontram quando chegam a Braga”, relata Mónica. “Também já nos deparamos com famílias a dividirem quartos devido ao preço. Já vi quartos a 650 euros. Parece impensável, mas, na verdade, acontece mais vezes do que esperamos”, lamenta a assistente social.
Desde fevereiro, a autarquia de Braga identificou mais de uma centena de pessoas a residir “em situação indigna” em “estabelecimentos comerciais, restaurantes, sótãos ou garagens”, revela o autarca Ricardo Rio.
Um dos exemplos, aponta o autarca, foi de “um restaurante que foi reconfigurado para acomodar 10 pessoas e em que estavam a cobrar entre 300 e 400 euros" por cabeça.
“É o resultado da ação de senhorios e proprietários menos corretos que tentam aproveitar para obter benefício económico à custa do sacrifício destas pessoas que estão em situação de dificuldade”, atira o social-democrata que defende que “este tipo situação deveria ser, claramente, criminalizada”. “É a verdadeira exploração da dificuldade das pessoas”, remata.
Para João Nogueira, presidente da Cáritas de Braga, está-se perante uma realidade cada vez mais comum e que está “aos olhos de todos”.
“Temos situações realmente deploráveis”, lamenta o responsável. “Há muitos parceiros, mesmo a nível de juntas, que sabem quantas dezenas de pessoas estão a viver naquele apartamento, mas sentem-se impotentes para encontrarem soluções. Isto está aos olhos de todos, mas politicamente não estamos a ser capazes”, critica.
Daniel Pinto é presidente da Junta de Freguesia de S. Vicente, no centro da cidade de Braga. Garante que a autarquia não tem conhecimento de nenhuma ilegalidade, mas assegura que está “atenta”.
“Estamos na linha da frente, mas depois as ferramentas formais e a fiscalização não dependem da junta de freguesia. Estamos limitados. Não depende de nós termos equipas no terreno”, diz.
O certo é que quase todos os dias chegam à junta pedidos de ajuda de fregueses com dificuldade em arrendar ou manter a casa. Casos como de “um casal de idosos com um rendimento global de perto 700 euros que, depois de não chegar a entendimento com o senhorio, viu a despesa de 300 euros passar para os 600”, conta o autarca.
E se há cinco anos um T3 custava em média 450 euros por mês nesta freguesia bracarense, hoje está nos 900. São valores do mercado de arrendamento que refletem a falta de oferta na cidade que foi uma das que mais cresceu na última década.
Para o autarca de S. Vicente, arquiteto de formação, uma resposta imediata para o problema da habitação deveria passar pela reconversão de espaços devolutos, ainda que comerciais.
“Vemos um conjunto de frações comerciais completamente vazias”, lamenta. Porque não há uma lógica de facilitar a reconversão destes espaços?”, questiona. “O país está com um problema nas mãos e não há soluções milagrosas para amanhã. A solução, agora, seria olhar para o território com olhos bem reais”, defende.
Com mais 12 mil pessoas nos últimos 10 anos, Braga foi a cidade do país onde o preço relativo das rendas mais aumentou. Ainda assim, o valor do arrendamento, em termos absolutos, continua a ser um dos mais baixos entre as grandes cidades do país.