18 mar, 2023 - 12:28 • Liliana Monteiro
Os juízes denunciaram, este sábado, a ausência de vontade política para resolver a crise da justiça, facilmente alvo de demagogia e populismo, e pediram à ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, a regulação do sorteio dos juízes para os processos, cuja ausência está a criar uma “chicana” processual.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) apontou ainda o dedo à atuação do Conselho Superior da Magistratura nas portas giratórias que permitem entradas e saídas da magistratura para outras funções, colocando em causa, por vezes, a credibilidade da classe
Dirigindo-se ao Presidente da República e à ministra da Justiça, durante o encerramento do XII congresso de juízes, no Funchal, o Presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses lamentou que nada se continue a fazer pela reforma da justiça.
Manuel Ramos Soares lembrou que a classe, assim como os outros agentes da justiça responderam ao apelo de apresentação de respostas, mas que as mesmas enfrentaram o bloqueio e a ausência de continuidade após serem entregues ao poder político.
“Todos são capazes de dizer que a justiça está em crise, mas ninguém ainda identificou a natureza dessa crise. É de eficiência? De independência? De integridade? De responsabilização? Sem resposta a esta questão qual crise – não se projetam medidas corretivas cuja necessidade se imponha como evidente. Depois, porque os partidos políticos são mais dados à controvérsia do que ao consenso. Porque a justiça é alvo fácil da demagogia e populismo, que fazem perder o foco e o rumo”, afirmou o líder da ASJP.
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E acrescentou logo de seguida: “Os governos, as maiorias e as oposições têm um horizonte de interesse que não ultrapassa o período da legislatura e mais facilmente se comprometem com medidas que dão apoio imediato do que com outras cujos benefícios só mais longe se alcançam”.
“Inaceitável”, foi assim que o presidente da ASJP descreveu a permissão de diligências dilatórias que principalmente os processos mediáticos enfrentam.
“Na criminalidade económico-financeira complexa, a realidade que se constata quando estão envolvidas pessoas com poder na política, na banca, nos negócios, no desporto, na justiça, é que os processos não têm fim (aludindo indiretamente ao caso Sócrates). Há casos que dificilmente chegarão a uma decisão final antes da prescrição”, sublinhou Manuel Ramos Soares.
Os juízes pedem, por isso, a definição legal de uma espécie de travão que remeta para o final do processo a decisão de matérias que os magistrados não consideram prioritários e importantes para a descoberta da verdade, não comprometendo assim o avanço dos processos.
“É preciso, já, criar um grupo de trabalho que faça uma análise retrospetiva dos processos terminados, localizando os momentos e causas dos bloqueios e propondo soluções para os eliminar, dentro dos princípios do sistema e com respeito pelas garantias constitucionais. Não podemos continuar a olhar para isto como se nada fosse, parecendo cúmplices de uma ineficiência que objetivamente beneficia a impunidade de pessoas poderosas a quem o Estado de direito bateu à porta”, afirmou.
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Manuel Ramos Soares lembrou algumas medidas há muito sugeridas pelos magistrados ao governo e aos Conselhos Superiores, como “auditorias periódicas autónomas à qualidade da resposta dos tribunais, à ação dos sistemas de inspeção e disciplinar, à qualidade do trabalho dos presidentes dos tribunais e ao sistema de distribuição automática de processos”.
E ainda a “criação de observatórios de direitos humanos, junto dos conselhos, mas com autonomia, nas áreas mais sensíveis do direito da família e menores, de asilo, de execução de penas e administrativo e fiscal; divulgação pública de informação sobre as reuniões dos conselhos e sobre a sua atividade disciplinar e inspetiva; e muitas outras, ma mesma linha de atuação desempoeirada, não corporativa e aberta à mudança”.
Lamentam os juízes nada ver no terreno para resolver determinados problemas, “processos atrasados nos tribunais administrativos e fiscais, de promessa em promessa, de adiamento em adiamento, de um grupo de trabalho para o outro, não tem solução à vista; estamos à espera da lei orgânica e dos meios para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, das assessorias, de mais recursos humanos, de mais capacidade de resposta nos tribunais centrais administrativos e da simplificação processual nos litígios de baixo valor ou massificados”.
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À ministra da justiça pediu alem destas medidas a regulação da forma como deve ser feito o sorteio para escolha dos juízes para os processos. “Agora a moda é abrir-se pedir-se o afastamento do juiz por violação das regras de distribuição, com fundamento no facto da tal lei não estar a ser aplicada. Será normal, legítimo, aceitável, que um só advogado, num só tribunal de recurso, em 9 meses, suscite 23 incidentes de recusa dos juízes, 2, 3 e 4 vezes nos mesmos processos e que não haja maneira de por termo a isso, apesar das sucessivas decisões que negam provimento aos seus pedidos? Sra. Ministra, aquela lei tem de ser regulamentada imediatamente, não só porque o que lá está nos parece acertado, mas para acabar com estas situações de verdadeira chicana processual”.
Ficou também um apelo à resolução do problema dos funcionários judiciais que, dizem os juízes, “pedem algo justo e razoável” colocando termo “à grave perturbação causada no funcionamento dos tribunais por um clima de crispação generalizada, de desânimo e desmotivação do corpo profissional que dá apoio à administração da justiça e cujas paralisações e greves adiam milhares de diligências e introduzem novos fatores de ineficiência”. Estas palavras foram muito aplaudidas pelos juízes presentes na sala.
Ao Conselho Superior da Magistratura que gere a disciplina dos juízes, Manuel Ramos Soares, acusou de não terem sabido assumir a culpa de não ter agido atempadamente quando conhecidos casos como o que está em causa na Operação LEX.
“A justiça falhou aos cidadãos quando não detetou atempadamente atos de natureza corruptiva dentro do sistema de justiça e quando não foi capaz de assumir publicamente essa falha e, sobretudo, de reforçar os mecanismos preventivos existentes”, reforçou.
Os juízes pediram ainda mais critério para acabar com as portas giratórias e a falta de credibilidade e de confiança que elas trazem defendendo maior critério na concessão de autorizações a juízes que saem da magistratura para outras áreas.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) aproveitou o encerramento do congresso para repetir um apelo já feito na abertura do ano judicial em 2022: "é preciso fazer mudanças estruturais e conjunturais no sistema judicial".
Henrique Araújo considerou que "vai longa a espera por uma verdadeira reforma da Justiça", a qual "não se pode resumir à modernidade de alguns temas, como a digitalização ou o uso da inteligência artificial nos tribunais".
Nesta altura, e resultado da falta de ação, "a Justiça enfrenta muitos problemas que necessitam de reflexão e debate". "Exige-se serenidade, aprumo e elevação nesse debate", sublinhou.
Este é o momento em que "os responsáveis políticos do País têm de olhar para a Justiça com toda a atenção e desencadear os processos legislativos de reforma da Justiça, ouvindo todos os que operam nesta área", afirma o juiz conselheiro.
O Presidente do STJ sugeriu também que se aproveite o processo de revisão constitucional em curso para inscrever mudanças significativas no modelo de organização dos tribunais e dos seus órgãos de gestão e disciplina.
"Seria da maior importância estratificar as prioridades, já que me parece não se poder fazer depender a concretização das medidas mais urgentes de uma lei de 15 programação para a Justiça."
[Notícia atualizada às 13h29 de 18 de março de 2023, com declarações do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça]