20 mar, 2023 - 10:13 • André Rodrigues , Olímpia Mairos
Um atentado aos direitos dos cidadãos. É desta forma que os autarcas classificam a carta de perigosidade para planear a prevenção e o combate aos incêndios florestais.
Em declarações à Renascença, o presidente da Comunidade Intermunicipal de Coimbra e autarca de Montemor-o-Velho, Emílio Torrão, admite que, nos dias de risco muito elevado de incêndio, as pessoas possam ficar impedidas de sair de casa.
“Nos municípios de Arganil, Oliveira do Hospital, estou a citar alguns, e nesses territórios, quando houver risco elevado e muito elevado de incêndio, as pessoas não podem circular, porque estão circundados por medidas de restrição em função da carta que foi emitida. Não consigo descrever a carta que está toda vermelha e, portanto, as pessoas não podem circular, porque, para circular de um lado para outro, têm que passar por floresta”, diz.
Também o presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, diz que a lei 82/10/2022 “pura e simplesmente proíbe e tira as pessoas dos espaços rurais, o que quer dizer que as pessoas não podem trabalhar as terras, não podem levar o gado para o pastoreio normal”.
“E imagine-se, chega-se ao ponto de que as ceifas, por exemplo, só podem ser feitas até às 10h30. Só quem não conhece a realidade é que manda para fora uma lei destas, porque sabemos que as ceifas, por exemplo, só a partir das 11 da manhã”, ilustra.
No limite, sublinha o autarca, a carta de perigosidade limita os direitos dos cidadãos, “isto porque, se numa zona de alto risco de incendio, o IPMA vier dizer que há temperaturas elevadíssimas, as pessoas não podem ir para os seus terrenos, não podem fazer nada, não podem ir para a floresta”.
Por isso, Fernando Queiroga não tem dúvidas que, face a medidas tão restritivas, as pessoas vão deixar os territórios.
O representante da ANMP na comissão de acompanhamento deste dossiê, também entende que a intenção desta nova carta é passar “as culpas” para os presidentes de Câmara.
“Na lei anterior dizia que o proprietário era obrigado a limpar a faixa de gestão de combustível. Nesta lei já diz que o município deve limpar. É humanamente impossível, financeiramente impossível fazer este tipo de coisas”, diz.
“É uma lei completamente absurda, só de gente que não conhece o território e, preocupados com os incêndios que tem havido, passam isto para os municípios, que é para que, se alguma coisa correr mal, o presidente da Câmara é que é o culpado de não ter feito o que devia, isto é, as limpezas que não conseguimos”, atira.
Face à contestação dos municípios que discordam do aumento de zonas de risco de incêndio alto e muito alto nos seus territórios, as comissões sub-regionais de gestão integrada de fogos rurais têm até 31 de março para adaptar as áreas prioritárias de prevenção e segurança à “realidade territorial”.
“Nós estamos preocupadíssimos, naturalmente. Se não há o adiamento, se não há esta alteração deste dispositivo, estamos em risco de as pessoas terem que se fechar em casa”, assinala.
Emílio Torrão entende que não chega e pede a suspensão imediata da carta de perigosidade e exige uma nova versão do documento.
“Nós não aceitamos esta carta. Que se faça e que se elabore uma carta, como deve ser”, defende, assinalando que “aquilo que está agora a ser mitigado é que os municípios poderão - os presidentes de Câmara, a Comissão sub-regional poderá - eventualmente libertar algumas áreas ou levantar algumas restrições, mas não está correto”.
“Não me parece que são situações excecionais. Não me parece que resolva o problema. Na base está um problema que é uma carta que ninguém percebe como é que foi elaborada”, insiste.
Uma carta que, no entender do autarca, não está adaptada à realidade dos territórios.
“Por onde ocorreram os incêndios de 2017, está tudo vermelho, portanto, é assim que se resolve o problema - ninguém circula, ninguém sai - e pronto, está tudo bem, não vai haver incêndios”, remata.