18 abr, 2023 - 07:49 • André Rodrigues , Olímpia Mairos
Portugal gasta demasiado dinheiro em exames de diagnóstico em vez de direcionar o investimento para prevenir a ocorrência de problemas. O alerta é de Henrique Barros, diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, no Dia Europeu dos Direitos dos Doentes, apontando para os casos de cancro do estômago onde a prevenção continua a falhar.
“Em Portugal, temos uma quantidade de casos novos de cancro do estômago, que é completamente desproporcionada em relação ao resto dos países ocidentais”, diz o especialista, explicando que este tipo de cancro “tem a ver com a presença de uma infeção no estômago, pela Helicobater Pylori” quando “sabemos que somos capazes de combater essa infeção, criar as condições para que as crianças portuguesas não infetem”.
Na visão do especialista, “teremos que, inequivocamente, promover a saúde dessas crianças e garantir que, no futuro não vão ter nem sofrimento nem as mortes associadas ao cancro gástrico”.
“E isso é muito mais importante do que medições completamente dispersas, inúteis, dos lipídios, das gorduras no sangue, etc., que criam ciclos de utilização de medicamentos, etc., cujos efeitos diretos e indiretos equivocamente carecem de confirmação”, realça.
Noutro plano, Portugal continua a falhar no acesso à profilaxia pré-infeção por VIH naquilo que Henrique Barros diz ser um problema cultural. O especialista defende um acesso à medicação preventiva do VIH semelhante ao da pílula anticoncecional.
“Temos que abandonar dentro do possível a natureza extremamente prescritiva, um poder talvez excessivo de decidirmos sobre a vida dos outros”, defende, argumentando que “é isso que está a faltar, a colocar definitivamente na circulação na comunidade o acesso à medicação”.
“É um pouco fazermos o caminho que demorou muitos anos a fazer em relação à pílula anticoncecional, transformar o acesso a essa medicação preventiva num acesso imediato para as pessoas que precisam e em quem ele está indicado”, defende, explicando que “não basta dizer que tem isto aqui disponível, é preciso explicar às pessoas quais são os problemas que podem enfrentar por essa escolha e quais são as circunstâncias em que isso está indicado”.
Nestas declarações à Renascença, Henrique Barros diz ainda que Portugal gasta demasiado dinheiro e recursos em exames de diagnóstico em vez de direcionar o investimento para prevenir a ocorrência de problemas cuja prevenção traz enormes ganhos em saúde.
“Há um consumismo. Muitas vezes a saúde mais do que ser vista como aquilo que ela é, que é um direito fundamental aos cuidados e à sua preservação, é vista como uma capacidade de consumir o que está aí disponível”, sinaliza.
O especialista exemplifica com “os exames, radiografias, medições dos ossos, toda uma panóplia de exames, que muitas vezes nem sabemos muito bem para que é que verdadeiramente servem”, destacando que “mais do que ajudar a salvar a nossa vida ou a dar-lhe mais qualidade, apenas faz com que vivamos mais tempo em sofrimento e com ansiedade do que possa estar a acontecer em relação a um determinado exame laboratorial”.
Em termos de acesso aos cuidados pós-Covid, o diretor do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto considera que voltamos ao que era antes da pandemia. Mas é preciso aprender com as lições do passado, a partir da evolução da ciência e do envelhecimento da população. Falta-nos conhecer o retrato real da situação da saúde em Portugal.
“Nós entramos, digamos assim, na reta onde ela estaria se nada tivesse acontecido. Agora há duas coisas que não podemos esquecer-nos: uma é que a ciência não pára, a tecnologia não pára. Portanto, o que está disponível, o que podemos fazer e que pode ser útil também não deixa de aumentar e, portanto, se fizermos o mesmo que fazíamos, estamos a ficar para trás; o segundo ponto é que a nossa população está a envelhecer”, assinala.
Henrique Barros explica ainda que como a população “está a envelhecer as necessidades e a ocorrência de problemas é sempre maior do que era um ano ou dois ou três anos antes, e, portanto, também nos obriga a fazer mais investimentos”.
“E como os recursos não são ilimitados, isto obriga-nos sobretudo a uma coisa que tem faltado muito, que é investir na capacidade de conhecer as nossas circunstâncias de saúde localmente, porque aquilo que tem que fazer numa região ou numa cidade ou numa parte do país não é necessariamente decalcada ali, exequível, realizada da mesma maneira noutra parte”, conclui.