Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Estudo

Intervenção na saúde mental e "burnout" nas empresas é prioritária

15 mai, 2023 - 08:06 • Lusa

Trabalhadores da saúde, educação e administração pública são os de maior risco. O estudo envolveu cerca de dois mil participantes, a maioria trabalha numa grande empresa/organização com 250 ou mais pessoas.

A+ / A-

“Muitas vezes, quando se fala de 'burnout', parece que é excesso de trabalho, mas, às vezes, não é só o excesso de trabalho”, alerta Tânia Gaspar, que coordenou um estudo que analisou cerca de dois mil trabalhadores.

A intervenção na saúde mental e prevenção do "burnout" é prioritária nas empresas, concluiu um estudo do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis, indicando que os trabalhadores da saúde, educação e administração pública são os de maior risco.

Neste grupo de maior índice de risco estão igualmente os trabalhadores dos setores dos transportes, área social e comércio e retalho.

O estudo aponta também para a necessidade de as empresas desenvolveram estratégias de gestão de conflitos e chama a atenção para as empresas trabalharem a questão da liderança.

O trabalho, a que a Lusa teve acesso e que analisou cerca de 2.000 trabalhadores de setores de atividade como a saúde, administração pública, transportes, alojamento e restauração, educação e indústria, entre outras, identificando níveis de risco elevado em termos da saúde mental, com quase 80% dos trabalhadores a apresentarem pelo menos um sintoma de burnout.

"Normalmente, a avaliação do ambiente das empresas é feita de forma segmentada. (...) Este instrumento de avaliação que usamos [EATS - Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudável] permite fazer uma avaliação integral, no mesmo momento, de todas as áreas e relacioná-las, porque elas influenciam-se mutuamente e estão relacionadas", explicou à Lusa a coordenadora deste trabalho, Tânia Gaspar.

Os investigadores avaliaram várias organizações a nível nacional e, depois, fizeram estudos específicos por setores de atividade, uma vez que o comportamento de alguns setores de atividade "envolve mais risco do que outros".

O estudo envolveu cerca de 2.000 participantes, a maioria trabalha numa grande empresa/organização (250 ou mais pessoas).

Segundo os dados a que a Lusa teve acesso, são três as dimensões que apresentam maior risco: saúde mental e burnout, as lideranças e os recursos, ou, neste caso, a falta deles.

"Muitas vezes quando se fala de burnout parece que é excesso de trabalho, mas, às vezes, não é só o excesso de trabalho. Há vários fatores de risco para o burnout. Por exemplo, pode haver exigência extrema a nível do esforço físico e psicológico, emocional ou até cognitivo, mas também [contribuem] as tensões e relações tóxicas com as lideranças e com os próprios colegas de trabalho", explicou.

Falta de reconhecimento do trabalho

A psicóloga refere igualmente que para a situação de burnout, que se vai instalando com o tempo, também pode contribuir o facto de a pessoa sentir que seu trabalho não é reconhecido ou que as suas competências estão mal aproveitadas.

Tania Gaspar disse que, muitas vezes, estas pessoas chegam ao consultório e as queixas são relativas a problemas de sono: "Nós efetivamente conseguimos compreender [em consultório] que a pessoa não está a conseguir dormir porque ou alterou o seu padrão de relações interpessoais, está mais hostil, mais intolerante para os outros".

"O facto de cerca de 80% dizer que tem pelo menos um dos destes sintomas - tristeza, irritabilidade, exaustão e cansaço extremo é algo que nos preocupa", sublinhou a especialista, frisando que 63% das pessoas apresentam os três sintomas".

Esta situação afeta o profissional em diversas áreas da sua vida, incluindo a saúde física, social e a saúde laboral. "Logo, a própria empresa acaba por ficar afetada", observou.

"A pessoa acaba por ter um desempenho mais debilitado, (...) tende a trabalhar menos e a fazer mais erros, a ter mais stress, a criar mais relações menos positivas também no contexto laboral, afetando o trabalho de equipa", disse a responsável, insistindo: "ter uma pessoa nesta situação também não é positivo para a própria organização e há aqui um trabalho de prevenção a fazer".

Neste estudo, os trabalhadores disseram igualmente que se sentem pouco valorizados, que sentem que não são envolvidos na tomada de decisões, que a liderança está focada na obtenção de resultados e não o suficiente no bem-estar dos profissionais e consideram que, muitas vezes, não têm um sentimento de pertença à entidade empregadora.

"Isto é algo em que a organização também tem que refletir e pensar que, se calhar, ou não está a fazer algo bem ou não está a comunicar bem aquilo que está a fazer", alertou.

Chefias intermédias precisam de intervenção específica

A investigadora Tânia Gaspar considera que as chefias intermédias são nas empresas um grupo em grande risco de stress e devem ter uma intervenção específica, como o 'coaching de liderança', para garantir um ambiente de trabalho saudável.

Coordenadora do trabalho desenvolvido pelo Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (Labpats), que vai ser apresentado na terça-feira, a especialista, que é psicóloga clínica, lembrou que as lideranças estão como que "numa posição de sanduíche": "estão em grande pressão pois acabam por estar pressionadas pela administração para cumprir os objetivos (...) e pelas próprias características dos profissionais que são difíceis de gerir".

Muitas vezes, "como são postos em causa, a melhor defesa é o ataque" e acabam por ser "mais hostis", exemplificou.

"Se eu tivesse que definir um ponto para intervir [nas empresas] era nas lideranças. Porque além de serem profissionais que também têm que ter bem-estar [no trabalho] eles têm uma grande influência no bem-estar dos outros", considerou.

Deu ainda o exemplo de ter lideranças empáticas, sublinhando: "temos estudos que revelam que se a atitude do líder é, por exemplo, de intolerância, de hostilidade, vai dar mais azo a que, mesmo dentro da própria equipa, a relação entre os colegas têm mais essa dinâmica".

Por outro lado, acrescentou, "se tiver um líder empático, assertivo e com escuta ativa a minha equipa vai ter muito mais dificuldade em ter um comportamento negativo".

"Eu acho que a liderança é realmente central, porque é bom para ela, mas depois também é aquela que vai de alguma maneira influenciar mais o ambiente de trabalho dos outros", afirmou.

Tania Gaspar dinamiza o Labpats, que conta, entre as organizações fundadoras, com a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, a Cruz Vermelha Portuguesa, o Programa Nacional de Saúde Ocupacional da Direção-Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Administração e diversas ordens profissionais, sociedades científicas e universidades.

O seu intuito é estudar de forma sistemática as organizações e promover a saúde e bem-estar destas e dos seus profissionais, com o objetivo de ajudar as empresas a melhorar resultados.

As recomendações destes especialistas para que as organizações consigam manter ambientes de trabalho saudáveis estão num manual de acesso gratuito.

Tópicos
Saiba Mais
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+