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Da Capa à Contraca

Presidente do Conselho Nacional de Educação admite "razões de ordem política" na contestação dos professores

21 jun, 2023 - 06:00 • José Pedro Frazão

O economista Luís Catela Nunes, da NOVA SBE, e o novo presidente do Conselho Nacional de Educação, Domingos Fernandes, denunciam a falta de estabilidade e de previsibilidade de salários e carreiras no sector da educação. Ao Governo, pedem medidas claras, mas, pelo meio, há acusações de "inflexibilidade" e receios de que a crise na habitação em Lisboa deixe as escolas cada vez mais sem docentes. E sobressai um número a reconfirmar em breve pelo CNE: metade dos alunos do secundário tem explicações.

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O novo presidente do Conselho Nacional da Educação, Domingos Fernandes, admite que há “razões de ordem política” na contestação dos professores.

No programa "Da Capa à Contracapa", da Renascença, Domingos Fernandes reconhece que o aparecimento de uma nova estrutura sindical alterou os processos de reivindicação dos docentes, apesar de reconhecer que os professores têm razões de queixa há longos anos.

"Criou-se esta cultura de que ser professor é ser precário e não ter uma carreira. Houve um esgotamento, a paciência chegou a um certo limite. Por outro lado, há razões de ordem política. Não tenho a mínima dúvida sobre isso, só um ingénuo poderá dizer que não há aqui razões de ordem política. E há também um fenómeno que introduz algo de diferente como o aparecimento de uma associação sindical com outros processos e métodos, que saiu 'fora da caixa", analisa o novo líder deste organismo independente na área da Educação.

O recém-nomeado presidente do CNE, designado pela Assembleia da República, reclama estabilidade na carreira docente para quem entre entenda como se progride na carreira e saiba exatamente aquilo com que conta. " Os professores precisam de entrar para uma carreira "normal", insiste Domingos Fernandes, que exige também uma clarificação no domínio salarial.

Falta flexibilidade a Governo e sindicatos

Apesar de reconhecer razões à luta dos professores, Domingos Fernandes diz-se surpreendido com o clima de contestação generalizada do pessoal docente

"É surpreendente pela forma como sucedeu, como tudo se desenvolveu e pelas inflexibilidades que acabo por constatar da parte sindical e também da parte do Governo que argumenta com dificuldades ao nível do Orçamento do Estado", observa o presidente do CNE.

Domingos Fernandes pede ao Governo que divulgue "um quadro mais claro [sobre as razões dessas dificuldades] nomeadamente em relação à questão da recuperação do tempo congelado".

Matemática pode ficar mais cara às escolas

Para Luís Catela Nunes, economista da NOVA SBE, a falta de estabilidade na carreira docente está na base da escassez de novos professores.

"Há um problema de imprevisibilidade sobre a carreira. O que espera alguém que vai entrar nesta carreira ? É totalmente imprevisível, sobretudo no ensino público. Alguma clareza sobre a carreira fazia todo o sentido", aconselha este investigador que estuda as dimensões económicas das políticas educativas.

Este especialista em Economia de Educação concorda que há igualmente um problema de remunerações na carreira docente. Os baixos salários podem mesmo afastar os professores da carreira docente por exemplo na área da Matemática, adverte o especialista da NOVASBE.

"Com o estudo do Estado da Nação da Fundação José Neves, comparámos os salários dos professores à entrada com outros salários noutras profissões que os jovens podem escolher. É o exemplo das áreas de matemática, ciências, saúde, gestão onde os salários de entrada para jovens são superiores ao de um professor. Isto quer dizer que a carreira de professor pode ser atrativa para algumas áreas, mas não para outras. Em termos salariais vai criar-se aqui um problema. A procura de professores de matemática vai ser um problema para as escolas. porque eles vão ser procurados por outras empresas", alerta Catela Nunes.

Muito amor, mas baixa auto-estima

No debate sobre a condição de professor, Catela Nunes cita estudos que mostram que os professores têm uma auto-estima muito baixa, quando se pergunta pela perceção que têm em termos de reconhecimento social da sua profissão.

"Em Portugal, os professores têm uma percepção muito baixa. Mas quando se compara essa percepção com o que a sociedade diz dos professores, esta é muito mais alta. Os professores têm uma perceção do seu reconhecimento da carreira muito baixa, mais baixa do que diz o resto da sociedade. Isto quer dizer que a profissão de professor é difícil, de muito baixa auto-estima", observa o especialista em políticas educativas.

Já Domingos Fernandes acredita que se o Ministério da Educação aplicar receitas flexíveis para o sector e para os docentes, a situação pode melhorar.

"Os professores sabem distinguir entre as suas justas reivindicações de natureza socio-profissional e o amor - deixe-me usar esta palavra tão pouco usada em Portugal - o amor que têm à sua profissão e ao trabalho com os seus alunos e com os jovens. Fui professor universitário, ocupei alguns lugares no Ministério da Educação há muitos anos e sempre gostei de estar e de ir às escolas. E constato que os professores , de uma maneira geral, são pessoas felizes e sentem-se bem consigo próprios", remata o presidente do Conselho Nacional de Educação.

Ceder casas a professores?

O especialista em Economia de Educação Luís Catela Nunes sugere ainda que os professores poderão precisar de apoio logístico e subsídios de residência para lecionar em zonas como a Grande Lisboa e o Algarve.

"A falta de professores vai ser maior nas regiões onde o custo de vida é mais alto. A maior parte dos professores é formada em escolas no Norte. E a falta de professores existe em regiões do Sul como Lisboa ou o Algarve. Como trazer professores do Norte para Lisboa a pagar rendas elevadíssimas? Há aqui um problema gravíssimo para o qual não há solução neste momento", reconhece o professor da NOVA SBE que lembra que esta distorção territorial também sucede em países como Itália.

" Em Itália, ainda não sabem qual é a solução e estão a estudar isto. Mas a solução é óbvia e passa por incentivos aos professores - salariais, subsídios ou de suporte logístico.", aconselha Catela Nunes, no que pode ser lido como uma sugestão de cedência de casas para professores " como já tivemos", complementa Domingos Fernandes.

Metade dos alunos com explicações

O novo presidente do Conselho Nacional da Educação admite ainda que metade dos alunos do secundário beneficia de explicações.

Domingos Fernandes indica que o mercado das explicações está a ser estudado no próprio CNE, apesar de não ser uma realidade recente do país. Já Luís Catela Nunes adianta que a dimensão dos custos das famílias com explicações para os filhos não está ainda apurada.

Os especialistas debateram as diferentes perspetivas dos problemas dos professores no “Da Capa à Contracapa”, um programa da RR em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos que pode ouvir em podcast também em rr.sapo.pt

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