03 jul, 2023 - 09:59 • Filipa Ribeiro
Às 9h00 da manhã já a fila se perdia de vista. Dezenas de mulheres grávidas e com bebés ao colo esperavam, esta segunda-feira, para saber se iriam ou não conseguir uma senha para marcar consulta. A primeira pessoa a ser atendida veio guardar lugar para a porta da Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados de Odivelas às 21h00 de domingo. "Passou cá a noite para garantir que conseguia marcar consulta", conta Maria Omani, uma das utentes na fila.
Grávida de 8 meses, é uma das presenças garantidas na fila todos os meses. Vem sempre de madrugada, desta vez chegou cá às 4h00 da manhã. Como a sua gravidez já vai avançada trouxe consigo um banco branco debaixo do braço para se sentar.
Por não ter médico de família não consegue ter um acompanhamento da gravidez frequente. Vem todos os meses, mas há vezes em que não consegue uma senha. "Não tenho médico de família e tem de ser sempre assim, todos os meses. Venho de madrugada para tentar", diz.
Até às 9h00 da manhã tinham sido entregues pouco mais que 20 senhas. Maria Omani não faz ideia se vai ou não conseguir. Já aceitou que, provavelmente, vai ter de voltar no próximo mês.
Mais atrás na fila está Vitória Ferreira, grávida de seis meses. O marido veio guardar lugar na fila às 5h00 da manhã até porque Vitória já tem dificuldade em permanecer muito tempo em pé. "É horrível", diz. "Temos de vir sempre de madrugada e, mesmo assim, há vezes que não consigo marcar consulta". Em seis meses de gestação, Vitória Ferreira foi vista por um médico duas vezes. "Todos os meses é esta palhaçada", lamenta. Apesar do pouco acompanhamento que tem tido, Vitória Ferreira diz que, felizmente, tudo está a correr bem, não tendo tido, para já, nenhum problema com o bebé.
Mas nem todos os utentes têm a mesma sorte. Há pessoas que precisam de receber assistência depois de tanto tempo em pé a aguardar por uma resposta: esta manhã foi chamado pelo menos uma ambulância do INEM. Com o tempo de espera também o nervosismo aumenta. Quem vem para esta fila diz que é recorrente haver confusão e gritos e a situação também se torna difícil para quem trabalha no local.
Esta segunda-feira, dezenas de utentes do "Movimento Mais Saúde" de Odivelas, concentraram-se junto à fila de espera na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados. Entre as 6h00 e as 8h00 estiveram a distribuir chá e bolachas pelos que estavam na fila à espera de uma vaga.
Luís Silva, responsável pelo movimento, reforça que este cenário de filas e protestos se repete por quase todos os centros de saúde de Odivelas, que não são Unidades de Saúde Familiares. "Muitas vezes as senhas não chegam para todos e geram-se tensões. Geralmente são os funcionários que são as maiores vítimas", diz. O problema da falta de médicos de família sempre existiu e tem vindo a piorar, diz Luís Silva, que acredita que parte da solução deveria ser promovida pela Ordem dos Médicos. "Deviam deixar de afunilar a formação de médicos, para que fossem formados mais", defende.
O responsável adianta, ainda que a situação mais grave é mesmo vivida na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados, uma vez que é aqui que vêm parar todos os imigrantes do concelho e famílias sem médico de família: a maior parte dos utentes sem médico de família em Odivelas são imigrantes que ainda mal sabem falar português, aspeto que dificulta a comunicação.
No total, há sete médicos nesta unidade de saúde, mas parte deles não são efetivos. As filas extensas e as horas de espera têm aumentado e a situação parece agravar-se todos os meses.