05 jul, 2023 - 12:27 • Filipa Ribeiro
No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, às 9h00 desta quarta-feira já havia doentes a deixar a área das consultas externas. Sem revolta, a maioria diz compreender o direito dos médicos à greve.
José Pereira veio para uma consulta de Urologia acompanhado pela mulher e pela filha. A consulta foi marcada há dois meses por aconselhamento da médica de família; hoje fez mais de 40 minutos de viagem de Sesimbra até ao Hospital de Santa Maria, e só depois de tirar senha e ser chamado ao balcão é que foi informado de que não iria ter consulta.
"Todos têm direito à greve e temos de respeitar, mas se isto fosse avisado previamente não se perdia tempo, ordenado, nem um dia de trabalho", lamentou José Pereira, sem querer indicar o motivo da consulta, embora ressalte que era muito importante. Agora, não sabe para quando a vão remarcar.
De acordo com o que a Renascença apurou, cerca de uma dezena de médicos com consultas marcadas estão a fazer greve no Hospital de Santa Maria hoje, primeiro de dois dias de greve.
Outro doente que teve de voltar para casa sem ser visto pelo médico foi Luís Mota. Há um ano e meio que esperava por uma consulta de Reumatologia.
"Sou como os carros, preciso de vir fazer a revisão", diz. Apesar de viver perto do hospital, afirma que toda a situação "é chata" e defende que "deveria ter sido avisado". Acompanhado pela esposa foi para casa, onde terá de esperar por uma carta ou uma mensagem do hospital com a nova data.
Diogo Almeida, médico de família numa das USF de Lisboa, admite à Renascença que teve de cancelar várias consultas hoje, mas assegura que já as remarcou todas.
"Queremos condições dignas para nós e para os utentes.Estamos de luto e em luta por condições de trabalho dignas, com reflexo no atendimento dos doentes. Temos enormes filas de espera para exames complementares. Por exemplo, lanço o desafio de procurarem uma clínica que faça uma colonoscopia em tempo útil a um doente com suspeitas de cancro no cólon."
Diogo Almeida está ao centro da mais de meia centena de médicos que se concentraram esta manhã à porta do Hospital de Santa Maria.
De Mafra, veio outro médico de família jovem. Com 30 anos, teme que cada vez mais os profissionais sejam obrigados a emigrar ou a mudarem-se para o privado. Por ser jovem, alerta que muitas vezes também a formação dos médicos fica em causa, porque os diretores clínicos e especialistas vão embora e desistem do SNS.
"Manel Pizarro, és muito hábil a falar, mas para salvar o SNS é preciso contratar", foi a frase mais gritada à porta do Hospital de Santa Maria, dirigida ao ministro da Saúde.
Tânia Russo, dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), diz que "os médicos estão zangados com a atitude do Governo".
Para a dirigente sindical, "o aumento de horas extraordinárias para 350 mostra que o Governo não é sério". Garante que a "FNAM está disposta a negociar" e acusa o Governo de "estar a gerir o SNS de forma autocrática, impondo o encerramento de serviços e a demissão de diretores clínicos".
Com a greve dos médicos a decorrer, o primeiro-ministro afirmou esta quarta-feira que não pertence a sindicatos dos médicos mas ao Sindicato dos Portugueses.
Ao lado dos médicos concentrados frente ao Santa Maria, a líder do Bloco de Esquerda respondeu, acusando o primeiro-ministro de tentar virar os utentes contra os médicos.
"Essa é uma lógica errada, não se pode nem se deve colocar os profissionais contra os utentes, porque os médicos estão a lutar por um SNS para todos os utentes, os médicos que aqui estão sabem que, com a falta de profissionais, não se consegue responder a todas as pessoas e os portugueses sabem-no", defende Mariana Mortágua.
A líder do Bloco sublinha que a situação se torna preocupante quando "o Hospital de Santa Maria, um dos maiores do país, não consegue funcionar sem pedir horas extraordinárias aos profissionais".