27 jul, 2023 - 09:31 • Anabela Góis , Miguel Marques Ribeiro
Os cancros da cabeça e do pescoço são o 6.º tumor mais frequente no mundo. Em Portugal, são diagnosticados três mil novos casos por ano.
Cláudia Vieira, oncologista do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, e membro do Grupo de Estudos do Cancro da Cabeça e Pescoço, explica que estamos a ter “histologias mais raras e em pessoas mais jovens”.
Este ano tivemos um 1.º caso de carcinoma nasofaringe num jovem com menos de 20 anos. Desconhece-se o motivo, mas há várias hipóteses.
Só o aprofundamento dos estudos científicos, que permitam “fazer biópsias e o identificar biomarcadores e o podermos aceder a testes genómicos alargados, permitirá, no futuro, percebemos mais um bocadinho porque é que isto acontece”, refere a médica.
Apesar de tudo, os casos são “mais frequentes em fumadores e ex fumadores”, mas podem existir outras causas, como “a infeção pelo papiloma vírus humano para a orofaringe e também alguma persistência da infeção pelo Epstein-barr (da família do herpes) vírus que é responsável pela nasofaringe”.
Contudo, “nas glândulas salivares, a origem do tumor não está tão bem estabelecida nos não fumadores”, alerta Cláudia Vieira. Podem existir “várias razões, entre as quais o contato com poluentes”.
À semelhança do que acontece na generalidade dos cancros, o diagnóstico precoce da doença é fundamental.
Cláudia Vieira explica que os “tumores são muito agressivos muito localmente”, numa zona (boca, garganta) fundamental no quotidiano para falar, comer ou respirar.
“São um tipo de tumor que, mesmo tratados com o intuito curativo, vão recair nos primeiros três anos”, afirma. Assim, a identificação de “lesões precoces, pré-malignas que possamos retirar por cirurgia, ou já com uma lesão maligna”, mas em estádio pouco avançado, não disseminado, é o passo certo no tratamento bem sucedido da doença.
Deste modo, é aconselhado examinar com regularidade a boca, através de visitas ao dentista ou ao médico estomatologista, “mas mesmo em casa devemos observar a nossa cavidade oral”, alerta a oncologista do IPO do Porto.
A presença de “adenopatias no pescoço [aumento do volume dos gânglios linfáticos]" deve também servir de alerta.
“Se aparecerem feridas, úlceras que não cicatrizam, manchas brancas ou vermelhas que não desaparecem num período de 2/3 semanas, com o reforço da higiene oral, devemos procurar um médico”, refere. Outras queixas a ter em conta são a “obstrução nasal prolongada” ou a “rouquidão persistente”. “A regra é: tudo o que ultrapassar as 2/3 semanas deve levar-nos ao médico”, sublinha a especialista.
No caso dos cancros da cabeça e dos pescoços não é viável fazer “um rastreio puro”, pois a evolução entre a lesão percursora e o cancro é muito rápida, tornando-o ineficaz. O combate à doença passa antes por “ter um programa de maior acessibilidade para um diagnóstico o mais precoce possível”. Mas é necessário a Direção-Geral de Saúde “trabalhar no alargamento desses programas”.
Facilitar o acesso a consultas aos “médicos de otorrinolaringologia, aos médicos estomatologistas, aos médicos dentistas, particularmente neste grupo de risco dos fumadores, poderá trazer vantagens no futuro".
Em síntese, refere Cláudia Vieira “ainda há muito trabalho a fazer, acima de tudo porque há um grande desconhecimento” e deficits do ponto de vista cultural e económico, que penalizam as classes mais desfavorecidas: “há um grande grosso de doentes que são muito frágeis do ponto de vista social e em grupos populacionais, onde a literacia é muito baixa e as pessoas não estão alerta para os sinais e sintomas e acabam por procurar ajuda tarde demais”.