02 ago, 2023 - 06:10 • João Pedro Quesado
O Papa Francisco aterra esta quarta-feira em Lisboa, na Base Aérea de Figo Maduro – o nome do terminal militar do Aeroporto Humberto Delgado. É o início de uma visita de cinco dias a Portugal, para se juntar aos jovens e celebrar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023.
Para o piloto que comanda o voo do Papa, esse é um momento “único”. Quem o diz é Manuel Falé Borges, a quem o destino sorriu em 2010, colocando-o aos comandos do avião que transportou Bento XVI do Porto para Roma, a viagem de regresso ao Vaticano após uma visita para celebrar o 10.º aniversário da beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto em Fátima.
“Senti-me muito aliviado quando o Santo Padre pisou o solo italiano”, conta à Renascença o comandante, então ao serviço da TAP.
A responsabilidade de transportar “o líder espiritual de milhões de seres humanos” é notoriamente “acrescida”, descreve Manuel. Tanto que Fernando Pinto, o CEO da TAP na altura, disse a Falé Borges que “estava com um ar preocupado” depois de lhe tirar uma foto a aguardar o Bento XVI.
A viagem, contudo, é muito semelhante a voos normais, com passageiros mais anónimos. É preciso levantar voo e aterrar em segurança, repetindo os procedimentos atuais da aviação comercial, feitos para ter “segurança máxima”. Mas as semelhanças param aí.
Antes dos passageiros entrarem sequer no avião, este é passado em revista em toda a sua extensão, para verificar que nada de estranho existe a bordo. Depois disso, o Papa é o último a embarcar.
Antes de levantar voo, há bandeiras para retirar. Tradicionalmente, o avião papal arranca da porta de embarque com as bandeiras do país visitado e do Vaticano. No caso da viagem de Bento XVI, uma bandeira caiu à entrada da pista, obrigando a parar os procedimentos de partida. Depois de um carro de apoio recolher a bandeira, a viagem prosseguiu.
No ar, de cada vez que se entra num país diferente, há uma mensagem para enviar ao controlo de tráfego aéreo. No caso da viagem entre Portugal e Itália, a mensagem, uma saudação do Papa, foi para os habitantes de Espanha e da França, a desejar paz.
Antes do dia da partida, tudo é diferente. “Recebemos uma equipa do Vaticano”, explica Manuel Falé Borges, para começar, meses antes, uma fase preparatória “mais extensa” e “mais detalhada”.
Nessa altura, a Santa Sé estabelece as necessidades de segurança a que a TAP obedeceu então – e terá que o fazer, de novo, no domingo. Uma delas é a escolha das tripulações, e dos seus substitutos, para o caso alguém falhar. Como critérios, contam a hierarquia e a antiguidade na companhia aérea.
Entre as preparações estão, também, alterações aos aviões escolhidos. Dos Airbus A320 da TAP foram retiradas duas filas da classe executiva para colocar uma cadeira mais confortável para o Papa.
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Estas alterações são feitas a dois aviões. O comandante frisa que são necessárias duas aeronaves para o caso de uma delas ter algum problema técnico.
Nessa eventualidade, apenas seria preciso mudar os passageiros para o segundo avião, onde estaria outra tripulação, pronta a partir.
Essa segunda tripulação, nesse segundo avião - de que “ninguém teve conhecimento até ao próprio dia” - fica dentro do avião até o Papa deixar o espaço aéreo português, precavendo potenciais problemas no voo que forcem um regresso ao aeroporto de partida.
Felizmente, não foi preciso recorrer a esse segundo avião em 2010, e o voo TP9704 fez a viagem sem sobressaltos – depois das bandeiras serem recolhidas, e respeitando com rigor o “despacho operacional” que detalha aeroportos de partida e chegada, algumas questões identificadas e as previsões climatéricas.
Como comandante, coube a Manuel Falé Borges receber o Papa Bento XVI na aeronave da TAP no dia 14 de maio. Depois, já no ar, teve a oportunidade de conhecer Joseph Ratzinger numa breve conversa.
Homem de fé, descreve as “palavras circunstanciais” que trocou com o Santo Padre como ótimas. “Foi muito interessante conhecer”, constata, algo potenciado por Bento XVI ser alguém que, “vendo na televisão, tem um afastamento muito grande”.
“Arredado” da prática da fé pelas exigências de tempo da profissão, o comandante – agora em Toulouse a trabalhar para a Airbus – recorda o “contacto doce” de Ratzinger. Foi “terno, interessante e único”.