04 ago, 2023 - 20:11 • Inês Braga Sampaio
A Ordem dos Médicos acusa o Ministério da Saúde de "prejudicar deliberadamente" o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e de "atitude discriminatória" para com os médicos formados e a exercer em Portugal, ao oferecer 2.800 euros e "casa função" a clínicos brasileiros para trabalharem em centros de saúde com escassez de médicos de família.
Em comunicado, emitido esta sexta-feira, a Ordem dos Médicos afirma que a proposta do gabinete de Manuel Pizarro, noticiada pelo jornal "Público", cria "uma situação de desigualdade de direitos para os utentes e entre médicos, prejudicando a qualidade de resposta diferenciada nos cuidados de saúde primários".
"Ao invés de apostar seriamente nos médicos já existentes em Portugal, o Ministério da Saúde está a recrutar médicos no estrangeiro em condições de flagrante e injustificado favorecimento, e prejudicando a qualidade dos cuidados de saúde primários", declara o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, citado na nota enviada às redações.
O bastonário acrescenta: "Não podem existir medidas de discriminação negativa em relação aos médicos a exercer em Portugal, oferecendo a outros privilégios inéditos como um vencimento de especialistas para médicos não especialistas, horários mais favoráveis e habitação."
Ministério da Saúde oferece 2.800 euros brutos de (...)
Para Carlos Cortes, o foco do Ministério devia ser a "criação de condições de trabalho para atrair mais médicos e não a criação de situações de desigualdade" que, no seu entender, "afastam os médicos e os utentes do SNS", enfraquecendo a sua capacidade de resposta diferenciada". Algo por que, sublinha, a tutela é "o primeiro responsável".
"Não podemos criar uma Saúde a duas velocidades em que utentes do SNS têm direito a um médico especialista em Medicina Geral e Familiar e outros a um médico sem nenhuma especialidade. É uma desigualdade intolerável que não respeita o espírito do SNS idealizado por António Arnaut. O SNS tem de continuar a oferecer a melhor resposta a todos os utentes, sem descriminações e sem desigualdades", frisa.
A Ordem apela ao Ministério da Saúde que "reafirme o seu compromisso" com os médicos que exercem em Portugal, "priorizando a aposta nos profissionais e o investimento na carreira médica e no SNS".
O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) também já se manifestou contra a proposta do Ministério da Saúde de atrair clínicos brasileiros.
Em declarações à Renascença, o presidente do SIM acusa o Governo de fazer "chantagem" e sublinha que há médicos portugueses suficientes para trabalhar no SNS, desde que sejam criadas condições.
"Não faz qualquer sentido que o Governo português tente fazer essa chantagem com os médicos [portugueses]. Se criar condições para os médicos trabalharem no SNS, os médicos querem trabalhar no SNS, com o mínimo de condições", salienta Jorge Roque da Cunha.
A Administração Central do Sistema de Saúde oferece 2.863 euros por mês, seis euros diários de subsídio de refeição e uma "casa função" no local onde os clínicos brasileiros que se disponibilizem a trabalhar em centros de saúde com maior carência de médicos de família forem colocados. Os contratos terão a duração de três anos, em centros das regiões de Lisboa e Vale Tejo, Alentejo e Algarve. Carga horária de 40 horas semanais e contratados com direito a 22 dias úteis de férias.
Os médicos terão de ter "reconhecimento de qualificações estrangeiras em Portugal" e um mínimo de cinco anos de experiência.