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Fim de uma era

Refinaria de Matosinhos. "Não aguentei nem mais um minuto depois de ser anunciado o fecho"

25 out, 2023 - 12:14 • Redação

Quase três anos depois do despedimento coletivo, ainda são muitos os ex-trabalhadores da antiga refinaria da Galp, em Leça da Palmeira, que continuam no desemprego. Luís Artur, com 42 anos dedicados à empresa, continua revoltado. Fecho é "um crime contra o país do ponto de vista económico e social".

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Refinaria de Matosinhos. "Não aguentei nem mais um minuto depois de ser anunciado o fecho"

Foram 42 anos. Dos 18 aos 60, Luís Artur dedicou a sua vida laboral à Galp. Rescindiu contrato no dia em que soube do encerramento da refinaria de Matosinhos, em dezembro de 2020. “Não podia, de maneira nenhuma, estar de acordo com o fecho desta refinaria”, desabafa à Renascença, com as chaminés do edifício onde trabalhou como pano de fundo.

Hoje é um dia "muito triste". É o dia em que se inicia a demolição do espaço onde passou grande parte da sua vida. Vai ser um processo demorado: a primeira fase da demolição da antiga refinaria matosinhense pode demorar cerca de dois anos e meio.

“Fiz tudo para sair de imediato”

Quando soube do encerramento da refinaria, Luís decidiu imediatamente que queria sair.

“A empresa tratou mal os seus trabalhadores na hora da saída", partilha. "Fez rescisões de contrato e pré-reformas como se fosse uma pequena reestruturação e não como um fecho de uma refinaria com um impacto terrível do ponto de vista social. Não aguentei nem mais um minuto depois de ser anunciado o fecho da refinaria, fiz de tudo para sair de imediato.”

Saiu passados nove meses, em setembro de 2021, “zangado”, como a maior parte dos outros trabalhadores. “Zangado não com a refinaria, mas zangado com a empresa, com o conselho de administração e com o poder político, que nada fez.”

42 anos na mesma empresa

O caminho de Luís na Petrogal começou com um anúncio de jornal. Encontrava-se a estudar Economia na Universidade do Porto quando soube de uma vaga para a empresa. Após dois anos na área das compras, assinou um contrato sem termo e “rapidamente” evoluiu na carreira.

A licenciatura em Economia abriu novas portas a Luís e na refinaria passou pela contabilidade, a gestão orçamental e os recursos humanos. Terminou a carreira como diretor de planeamento e controlo, ao fim de mais quatro décadas de dedicação.

“O que me fez entrar na Petrogal foi ter a oportunidade de trabalhar na área económica. Para um jovem de 18 anos, na altura, a empresa proporcionou-me isso”, explica.

“Fiquei 42 anos porque evoluí na carreira dentro da empresa. Mas não nego que, como economista, também fiz outras coisas ao longo da minha vida profissional, em complemento à atividade na empresa.”

Para além do trabalho na refinaria, Luís deu aulas de Economia no Instituto Superior de Gestão, realizou projetos e apostou na consultoria a pequenas e médias empresas.

“Esta é uma empresa que proporciona aos seus trabalhadores um nível contínuo de formação, que é importante em qualquer carreira. Ao mesmo tempo, o ambiente nesta refinaria sempre foi bom. Dava gosto trabalhar aqui."

Ao longo de décadas, Luís dirigia-se à refinaria "com gosto de trabalhar todos os dias de manhã e saía muitas vezes a altas horas da noite, sem ganhar pelo trabalho suplementar; era por gosto, por vontade”, assegura. "Foi uma carreira que agradeço."

“Podia ter tido outras oportunidades se saísse, mas nunca quis precisamente por isso, porque entendi sempre que me sentia bem, e só uma pessoa que se sente bem é que aguenta 42 anos.”

Neste dia "muito triste", recorda que ele e os colegas ainda tiveram "esperança que esta resolução pudesse ser invertida".

"Crime económico e social contra o país"

A refinaria já esteve para ser fechada no passado, mas não se consumou o encerramento porque “o Governo da altura não deixou”.

“Desta vez, o poder político e o poder dentro da empresa estiveram, obviamente, de acordo e resolveram fechar”, diz, recordando um discurso do primeiro-ministro, António Costa, sobre o país estar no caminho da descarbonização.

"Quer queiramos quer não, o petróleo continua a ser a energia mais barata do mundo e há petróleo para centenas de anos. É a energia mais barata. Não está em causa a descarbonização nem a proteção do clima, mas sim fazer as coisas bem feitas e não antecipar metas de 2050 para 2030, como está a fazer o Governo português."

A refinaria de Laça teve, durante muitos anos, investimentos na área ambiental, na proteção do ambiente, na área da qualidade e na área da segurança, assegura. “Era um complexo eficiente do ponto de vista energético, a refinaria mais eficiente do país.” Em vez de ser encerrada, defende, deveria ter sido transformada numa refinaria de biocombustíveis.

Para o ex-trabalhador da Galp, a descarbonização “não se faz como se está a fazer neste país", mas "reconvertendo e não encerrando".

"A refinaria de Sines não tem mercado, não está inserida num mercado local. Esta está inserida no mercado da região Norte, vende essencialmente na região Norte e distribui essencialmente na região Norte. A fechar uma refinaria, não seria esta. Não que defenda o fecho de alguma delas, mas a fechar não seria a refinaria mais eficiente do ponto de vista energético", conclui.

É por isso que, nas suas palavras, dizer adeus à refinaria de Matosinhos é "um crime contra o país do ponto de vista económico e social".

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