08 nov, 2023 - 13:33 • Redação
“Destruir a caixa” é o mote base do projeto nobox, criado em 2016 e relançado este ano face à crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Precisamos reinventar a forma como as pessoas aprendem e como implementam projetos e inovação”, diz Diogo Fernandes da Silva, co-criador do projeto.
Com formação base em medicina e especialização em saúde pública, Diogo Silva começou a trabalhar como médico e apercebeu-se que “muito do dia-a-dia dos profissionais de saúde acabava por ser afetado pela forma como as equipas trabalhavam em conjunto”.
O médico refere haver mais foco e investimento no desenvolvimento técnico e científico, descurando as áreas comportamentais.
“Trabalhar em equipa, comunicar e gerir conflitos acabam por não ter um investimento tão marcado. Muitas vezes isso acaba por ter impacto na forma como as equipas são organizadas e lideradas e afeta muito a dinâmica”.
Esta falta de investimento traz “consequências grandes”, como ineficiência, erros de comunicação e falhas na prestação de cuidados, enumera Diogo Fernandes da Silva.
“Era claramente uma área que precisava de mais investimento e de tradução devidamente feita para o contexto em saúde, porque é muito difícil trabalhar em equipa num bloco operatório, num internamento, num serviço de urgência, numa clínica ou numa farmácia.”
A equipa da nobox juntou dois mundos: o da saúde e o da gestão. “Apesar de trabalharmos em saúde, nem sempre o ambiente em que os profissionais de saúde trabalham é saudável”, declara. “Neste momento, vivemos num sistema que depende muito da sobrecarga do trabalho dos profissionais para que os doentes não fiquem sem cuidados.”
“O doente pode ficar à espera até o dia seguinte, mas isso vai ter consequências", alerta o médico. "Se as pessoas deixam trabalho por fazer, veem diretamente as consequências que isso tem nos doentes e nas famílias, e, portanto, o que acontece muito naturalmente é que os profissionais vão tentando trabalhar mais para dar a resposta que sentem que é precisa.”
Esta sobrecarga acaba por se traduzir num impacto negativo no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
“Se tivermos equipas saudáveis, bem lideradas, motivadas e com objetivos claros, vão produzir mais, os doentes vão estar mais satisfeitos, os resultados clínicos vão ser melhores e, em termos financeiros, acaba por ser melhor para a organização.”
O co-criador do projeto quer “mudar o paradigma”: parar de apostar na sobrecarga dos trabalhadores e conseguir “fazer um trabalho melhor, [para que os profissionais de saúde] sejam mais abertos à inovação, consigam implementar novas soluções e consigam ter uma vida saudável”.
“Se o sistema estiver assim, porque é ineficiente, mas não investir em formas de o tornar mais eficiente, então [a crise do SNS] vai continuar a agravar-se”, refere Diogo Silva.
“As pessoas, neste momento, nem têm tempo para parar e pensar como é que as coisas deviam ser diferentes. Então, continuamos a fazer mais do mesmo que já fazíamos. Quando se têm ideias boas, há muitas barreiras para que sejam implementadas.”
Falta “o espaço para criarem, analisarem o que é que está mal e o que é que está bem. Pensarem em soluções e, depois, terem ajuda para implementar”, adianta.
"Uma das coisas que criámos é a academia online, que vamos lançar na próxima semana, em que aí cada pessoa tem uma oportunidade muito mais fácil, porque online é mais acessível, cada um pode fazer individualmente, quando e onde quiser e, portanto, qualquer profissional pode ir lá buscar algumas ideias do que melhorar o seu dia-a-dia", explica ainda o médico.
Com o projeto, o Hospital de Braga conseguiu reduzir a taxa de absentismo. “Começaram pelo serviço de limpeza e alargaram ao resto do hospital. Eles já eram um hospital com um absentismo baixo e ainda conseguiram reduzir mais.”
Como é que se fez isso? “A falar com os profissionais, a perceber qual era a perspetiva deles do absentismo e entender que, quando as pessoas faltam, nunca ninguém está preocupado com elas e que, na prática, a forma de reduzir o absentismo passava pelo hospital preocupar-se com elas”, responde o cocriador do nobox.
“Numa altura em que se discute que o SNS não precisa de mais dinheiro, mas de mais e melhor gestão, este é um passo fundamental para fazermos esse caminho”, explicam os fundadores do projeto.
A nobox lançou na terça-feira uma nova academia online, iniciativa que conta com cursos “desenhados tendo em conta os problemas reais dos profissionais de saúde no seu dia a dia” e promete ajudar os profissionais a gerir conflitos com mais eficácia, a construir melhores equipas e a proporcionar melhor feedback aos colegas.
“Estas formações foram especificamente construídas para o setor da saúde por profissionais de saúde”, destaca Diogo Silva.
No início, vão ser disponibilizados sete cursos diferentes, “cursos rápidos com exercícios práticos e sempre contextualizados na saúde, para permitir a máxima aplicabilidade à vida real dos profissionais”.
Além da melhorar a capacidade de resposta dos profissionais e das equipas de saúde, o cofundador do projeto acredita que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) vai ganhar com esta aposta. “Numa altura em que se discute que o SNS não precisa de mais dinheiro, mas mais e melhor gestão, este é um passo fundamental para fazermos esse caminho”, diz.
“Quem trabalha no SNS sabe que as questões de organização, gestão de equipa e comunicação são fatores de grande insatisfação, frustração e inércia, contribuindo para a cristalização de uma cultura conservadora e aversa ao risco. Só conseguiremos um sistema de saúde mais robusto se apostarmos no desenvolvimento dos profissionais e das suas equipas”, conclui.