17 nov, 2023 - 07:00 • Anabela Góis
A falta de medicamentos é um problema grave para a esmagadora maioria dos hospitais portugueses. A situação piorou e passou de 73% para atingir agora 94% das unidades de cuidados de saúde.
De acordo com o Índex Nacional de Acesso ao Medicamento, divulgado esta sexta-feira, as rupturas não põem em causa o tratamento aos doentes, porque há soluções, mas são agora mais os hospitais que reportam falhas, e em todos os tipos de fármacos, indica Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH).
“Noventa e quatro por cento dos hospitais entendem que as rupturas são um problema grave. Cerca de 20% dizem que acontecem mensalmente e 36% semanalmente, portanto, temos mais hospitais a dizerem que têm rupturas. Cerca de metade diz que são todos os medicamentos e a outra metade diz que são genéricos”, explica Xavier Barreto.
O presidente da APAH fala numa situação “preocupante”, mas sublinha que, “geralmente, as rupturas são resolvidas ou com empréstimos entre hospitais ou com a adoção de um fármaco alternativo”.
De acordo com este estudo, promovido pela Associação de Administradores Hospitalares, também há menos hospitais a medir os efeitos dos medicamentos inovadores. Apenas 11% o fazem.
Na opinião de Xavier Barreto, este é o indicador mais preocupante, porque são gastos centenas de milhões de euros e não se sabe se o investimento tem retorno ou se está “a cumprir as expectativas criadas quando foram aprovados para ser comprados pelo SNS”.
“Não fez sentido gastarmos centenas de milhões de euros em medicamentos e depois não avaliamos se eles estão a cumprir as expetativas de resultados. Esta informação é fundamental para fazermos contratação pública inovadora. Para comprarmos medicamentos estabelecendo que o preço pode ser variável em função do resultado ser cumprido ou não”, afirma o presidente dos administradores hospitalares.
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos reconhece (...)
Sem medir a eficácia dos medicamentos, o Serviço Nacional de Saúde pode estar a investir em fármacos que não fazem assim tanta diferença na vida dos doentes como o anunciado.
“Assumimos que um medicamento vai cumprir aquele resultado, mas não confirmamos. Isto não faz sentido nenhum. Para além do mais, não permite distinguir os fármacos que são verdadeiramente inovadores e que fazem a diferença na vida dos nossos doentes e aqueles que não são assim tão inovadores e que, se calhar, acabaram por ficar caros”, diz Xavier Barreto.
De acordo com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, o custo com medicamentos nos hospitais em 2022 cresceu 12% e em 2023 está a crescer também a dois dígitos, acima de 10%.
“Isto é incomportável. É impossível mantermos esta taxa de crescimento nos custos com medicamentos. Também não faz sentido cortarmos de uma forma cega no preço dos medicamentos porque aí vamos estar a retirar incentivos à indústria para que continue a investigar novos fármacos, novas moléculas, que oferecem ou podem oferecer resultados importantes para os nossos doentes. Portanto, tem de haver aqui um equilíbrio. Este equilíbrio consegue-se quando nós medimos, de facto, o resultado dos fármacos inovadores e percebemos se eles estão ou não a cumprir as expectativas que nos foram criadas quando foram avaliados pelo Infarmed”, refere o presidente da APAH.
Outro dado negativo do Índex Nacional de Acesso ao Medicamento: de 2020 para 2022 diminuíram os hospitais que têm programas de dispensa de medicamentos em proximidade - passaram de 87% para 67%.
Ainda assim, sublinha Xavier Barreto, quase sete em cada dez mantêm estes programas, o que é positivo.
“Durante a pandemia tivemos 87%. A pandemia proporcionou muito a aceleração deste tipo de programas por razões óbvias. Praticamente todos os hospitais passaram a entregar medicamentos em proximidade durante a pandemia. Infelizmente, hoje há aqui algum retrocesso que importa analisar e é isso que vamos fazer também.”
Outro dado preocupante é a falta de farmacêuticos, alerta Xavier Barreto.
O presidente da Associação de Administradores Hospitalares diz que está provado que as consultas farmacêuticas representam ganhos efetivos para o SNS, porque se desperdiçam menos medicamentos e, quando os utentes tomam bem os fármacos, têm as doenças controladas e vão menos às urgências.
No entanto, em Portugal, seis em cada 10 hospitais não dispõem destas consultas e, mesmo os que têm, não têm recursos humanos.
“Os hospitais não têm farmacêuticos suficientes para assegurar as tarefas que já asseguram (de validação terapêutica, de controlo de todo o circuito do medicamento dentro dos hospitais, preparação de fármacos)”, avisa Xavier Barreto.
“Isto também nos preocupa, até porque há evidência sobre o custo efetividade de nós termos farmacêuticos a fazerem isto. Ou seja, o investimento que nós fazemos neste tipo de consulta tem ganhos na redução de consumo. Por exemplo, um doente que está mais controlado, que toma melhor os seus medicamentos, vai menos à urgência, tem menos internamentos. Está bem documentado que esta é uma intervenção que é custo-efetiva, que faz sentido fazê-la, porque traz poupanças ao SNS e nós não estamos a conseguir fazê-la”, reforça o presidente da APAH.
O Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar é um estudo bienal, que teve início em 2019. Na edição deste ano participaram 75% das instituições do Serviço Nacional de Saúde de Portugal Continental, o valor mais elevado de sempre.