21 nov, 2023 - 07:00 • Marisa Gonçalves
Sentem-se cansados e desmotivados, na sua grande maioria. A profissão é exigente e a valorização escassa, num setor essencial ao país.
A historiadora e investigadora Raquel Varela, uma das autoras do “Relatório Final do Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Funcionários Judiciais, sublinha que as condições de trabalho destes profissionais são determinantes para a qualidade e para o acesso à justiça.
Em Portugal, essas condições surgem fora de qualquer eixo mínimo e associadas a elevados níveis de stress.
“Ficámos muito impressionados com os dados de exaustão e desmotivação. 80 % dos funcionários judiciais têm índices preocupantes de exaustão emocional e 44 % deles apresentam níveis muito preocupantes. Das 12 ou 13 categorias que estudámos, até hoje, no Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, esta é a que tem os maiores índices de burnout”, diz Raquel Varela à Renascença.
“Estamos a falar de pessoas que, apesar de estarem sempre disponíveis para o trabalho, porque assim funciona a justiça, ganham pouco mais que o ordenado mínimo. Também encontrámos casos de pessoas que têm de ter um segundo ou um terceiro emprego para poderem sobreviver”, acrescenta.
O relatório agora divulgado identifica como uma das “fontes de sofrimento”, a carga emocional e o custo psicológico que derivam dos serviços prestados a indivíduos em situações de precariedade e de sofrimento, ou de situações de violência social.
Raquel Varela salienta que o funcionário judicial é o primeiro rosto da justiça, para o cidadão comum. “Também estão lá para receber queixas e estão sujeitos a grandes pressões”.
A investigadora refere que os modelos de gestão, incluindo os serviços públicos, introduziram nestes locais de trabalho um ambiente tóxico e de desconfiança.
“Quando as relações de confiança ficam de tal forma deslaçadas surgem casos de assédio, de autoritarismo e de desvinculação dos trabalhadores que só acabam por executar ordens sem ser escutados. O que eles assistem como profissionais zelosos do seu trabalho, o saber que estão a lidar com casos delicados, que há até questões de sigilo envolvidas, e o facto de não conseguirem exercer com decência, tudo isto gera processos de sofrimento psíquico”, sustenta.
O documento que vai ser revelado esta terça-feira aponta sinais de desmotivação e até casos de abandono da profissão, devido à sobrecarga de trabalho.
A obrigatoriedade de estar contactável no período de férias é uma das situações vistas como penalizadoras.
Os funcionários judiciais entendem que a tutela não se preocupa com as suas condições de trabalho, que o seu trabalho não é valorizado socialmente e que a avaliação individual de desempenho é um fator de conflito laboral.
“Trata-se de um método gestionário fabril que se estendeu a todas as profissões e aos serviços públicos cujo princípio é: quanto mais eu ultrapassar o meu colega, mais eu vou progredir. O princípio não é o da cooperação, apoio ou entreajuda. Tem a ver com as carreiras afuniladas que premeiam isto e tratam as pessoas como se fossem números numa folha de excel”, defende.
O Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Funcionários Judiciais também revela preocupações com a privatização da justiça.
“Há uma justiça privada a funcionar nos tribunais arbitrais, sobretudo nos meios empresariais e mesmo quando envolve o Estado. Depois, há uma série de funções da justiça que foram privatizadas, entre elas, a cobrança de dívidas”, declara.
Existem cerca de 7 mil funcionários judiciais, em Portugal. As conclusões do Inquérito Nacional às Condições de Vida e de Trabalho dos Funcionários Judiciais vão ser apresentadas esta terça-feira, às 10h00, no pólo de Campolide da Universidade Nova de Lisboa.