24 dez, 2023 - 09:48 • Lusa
Foi em finais de 2016 que Catarina Oliveira, então com 27 anos, foi informada que nunca mais poderia andar depois de uma inflamação na medula. Embora tenha "lidado bem" com a nova realidade, muito rapidamente se apercebeu das dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
"Comecei a perceber que o mundo à minha volta não me oferecia condições equitativas", afirma.
A portuense não hesitou em partilhar, no Instagram, as situações "bem ridículas" que experiencia quando sai à noite ou quando viaja, procurando desmitificar diversas questões sobre as pessoas com deficiência.
"O olhar das pessoas é como se estivesse a aparecer ali uma espécie em vias de extinção", conta Catarina Oliveira sobre a inspiração para o nome da conta, que soma hoje mais de 47 mil seguidores.
"Sou sempre um ponto luminoso no meio de uma multidão", afirma.
O projeto aborda uma variedade de temas relacionados com as pessoas com deficiência, como a acessibilidade, a linguagem inclusiva e a sexualidade, valendo-lhe uma nomeação no prémio "Dia do Voluntariado na Universidade do Porto" deste ano.
A ativista acredita que "as pessoas muitas vezes não sabem como interagir com uma pessoa com deficiência", preferindo recluir-se, mesmo quando querem comunicar.
Se isto não ocorre, acontece antes "uma interação muito infantilizada", em que a pessoa com deficiência muitas vezes nem é abordada, sendo a palavra dirigida a quem está com ela.
Por outro lado, "há sempre aquela atitude mais condescendente e paternalista", que se expressa em atitudes como "coitada da pessoa que tem uma deficiência - ela pode fazer tudo o que quiser porque deve ser uma excelente pessoa, só porque tem uma deficiência!", ironiza Catarina Oliveira.
A ativista afirma que os media associam uma imagem de revolta às pessoas com deficiência, tornando-se inesperada a sua presença em locais públicos.
"É um estereótipo, muito confortável para a sociedade, que se cria sobre as pessoas com deficiência", afirma, retorquindo que "aquela pessoa está, na verdade, a protestar porque lhe estão a negar um direito humano", consagrado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU.
Catarina Oliveira afirma que, no seu caso, a "revolta" não se origina devido à sua deficiência, mas porque "não são acomodadas as necessidades específicas necessárias para ter uma vida equitativa".
A conversa torna para possíveis soluções, em especial medidas legislativas, com Catarina Oliveira a considerar que, a "bíblia da acessibilidade", o decreto-lei n.º 163/2006, "até está bastante completa".
O problema, contudo, "é que não é aplicado nem há as devidas fiscalizações", afirma, considerando este "o grande problema" ao nível legislativo.
"A mentalidade capacitista também atrasa isto, pois a sociedade ainda olha para a pessoa com deficiência como alguém menos capaz e que não merece ter as mesmas oportunidades", declara.
Mesmo com estes percalços, Catarina Oliveira acredita que estão a ser feitos grandes progressos na matéria da acessibilidade e inclusão, declarando que "as crianças de hoje já estão um bocado mais desconstruídas" em relação a sistemas de opressão como o capacitismo, o racismo e o sexismo.
"A educação e o diálogo são duas armas muito poderosas", afirma.
O combate ao capacitismo não se exerce apenas na questão da acessibilidade física, com a inclusão no mercado de trabalho a ser uma das matérias que Catarina Oliveira defende através de formações e palestras.
A formadora cita a lei das quotas, agora alargada à função privada e que obriga a um mínimo de 1% de trabalhadores com deficiência em empresas entre 75 e 250 trabalhadores (2% no caso de empresas com mais de 250 trabalhadores), como uma medida "necessária para que as pessoas com deficiência entrem de alguma forma no mercado de trabalho".
Segundo Catarina Oliveira, trata-se de um "impulso enorme" na matéria da inclusão, embora "não seja uma lei perfeita", pois apenas se aplica a pessoas com mais de 60% de incapacidade.
"Há pessoas não-abrangidas que também têm necessidades específicas. Temos que trabalhar para melhorar esta lei", afirma. .
A formadora adverte também que "não podemos ficar pelas quotas", sendo importante "formar as pessoas para acolher um trabalhador com deficiência de forma equitativa".
Trata-se não apenas de uma questão de responsabilidade social, mas também de "sobrevivência corporativa", sublinha. .
"As empresas têm que trabalhar numa verdadeira diversidade, pois o cliente identifica-se cada vez mais com empresas que reflitam o que está a acontecer na sociedade", afirma Catarina Oliveira.
São medidas como esta que Catarina Oliveira espera levem à emancipação das pessoas com deficiência.
"As pessoas só veem a cadeira de rodas, só veem uma deficiência. [...] Quando falamos de capacitismo, não podemos esquecer que estamos a falar de seres humanos. As pessoas com deficiência são todas muito diversas", conclui.