18 jan, 2024 - 20:20 • João Malheiro
Marcelo Rebelo de Sousa defende que é inevitável que o Estado "não se alheie nunca de um debate essencial" sobre o Jornalismo. Em plena crise no grupo Global Media, o Presidente da República pede transparência na propriedade dos órgãos de comunicação social.
Num discurso proferido no 5.º Congresso dos Jornalistas, em Lisboa, o Presidente da República refere que "há meios, públicos, históricos e importantes" e "só numa base de entendimento amplo, de forças e hemisférios doutrinais, ideológicos e políticos diferentes é que é possível abordar esta temática de regime".
"Com clareza, ou seja, com transparência, e com critérios gerais e abstratos. Sempre que possível olhando do lado de espectadores, ouvintes e leitores", expressa.
Depois de Augusto Santos Silva afirmar que o próximo Governo deve rever a Lei de Imprensa, o chefe de Estado português não declara uma opinião sobre o tema, mas reconhece que "muito dessas leis é de outra era".
No entanto, "mais importante do que mudar essas leis, é saber o que se quer para esse conteúdo", explica Marcelo que recorda os tempos da Constituinte, onde "se corria ao risco de se ver nascer, senão a censura, a concentração de poderes económicos e financeiros com os decorrentes efeitos políticos e cívicos".
Global Media
Trabalhadores repudiam "mais um ato de terrorismo (...)
O Presidente da República exorta, igualmente, que "haja transparência em saber quem lidera e dirige o quê na comunicação social: Com que projetos editoriais, com que modelos e com que perfis e viabilidade para dar vida ao setor". E quer que "proprietários estejam em constante convergência, interação e perspetivas estratégicas, formando uma plataforma de decisão e diálogo com os jornalistas".
No seu discurso, o chefe de Estado português aproveitou para realçar os 50 anos do 25 de Abril, como ponto de reflexão sobre o que mudou no Jornalismo e na comunicação.
"50 anos de revoluções científicas e tecnológicas na comunicação, revoluções económicas e financeiras nos meios e nos públicos, revoluções sociais no Portugal que éramos, revoluções temporais e espaciais no ritmo e horizonte das nossas vidas pessoais e comunitárias. E agora, onde para e como para a comunicação social? Um entidade pública e várias privadas de televisão. Com o salto do digital, na viragem do século e as crises da Troika, da pandemia, das guerras e o restante conjuntural e estrutural: a publicidade a apertar, as receitas a minguarem e as despesas a pressionarem", descreve.
"O crepúsculo despontou com os problemas que aí temos. Um é a Economia. A partir de 2008, as crises importadas, somadas a questões internas, travaram a Economia. Apesar do crescimento doutros setores, a consolidação do setor bancário levou tempo e limitou a intervenção do tecido económico nos media e, desde logo, na publicidade. A nossa resposta ao desafio digital foi tardia e frágil. Isto aconteceu num sistema participativo em geral. Houve exceções, uma ou outra notáveis, mas caríssimas no investimento exigido e a regra geral foi o definhamento de meios clássicos sem o florescer de novos meios", acrescenta.
Pedro Coelho, presidente da comissão organizadora (...)
E, neste contexto, Marcelo Rebelo de Sousa diz que o Jornalismo "é obrigado a apagar-se tantas vezes na produção televisiva e radiofónica para ela se ajeitar nos conteúdos às alegadas exigências da sobrevivência". Nesse sentido, a profissão "reinventa-se todos os dias para tentar não desaparecer".
O Presidente da República recorda, também, que a prática jornalística "consegue excelência apesar da precariedade, do estágio prolongado e da incerteza anunciada" e "como todas as paixões, resiste ou tenta resistir sem limites".
Para o Presidente da República, 50 anos depois do 25 de Abril, não se pode ter uma Democracia forte "sem o Jornalismo livre e forte também, do ponto de vista financeiro e económico". E, agora que o país caminha para novas eleições, realça que "este tempo que se vive pode ser virtuoso. Pode permitir debater pistas, propostas, projetos e horizontes".
"Nestes 50 anos de Abril e para além deles, pensando que aqueles que desconhecem Abril, ou têm saudades do pré que não conheceram ou reconstroem na sua imaginação, passarão. Serão fugazes. E o 25 de Abril ficará. Ficará sempre e com ele a Democracia sempre e com ela o Jornalismo sempre", conclui.