09 fev, 2024 - 07:00 • Ângela Roque , João Malheiro
Há 17 anos que o aborto até às 10 semanas é legal em Portugal. O segundo referendo que aprovou a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez realizou-se a 11 de fevereiro de 2007, mas passados estes anos "as grávidas estão cada vez mais desprotegidas", denuncia a Federação Portuguesa pela Vida (FPV).
À Renascença, José Maria Seabra Duque diz que o Estado não está a cumprir o que a própria lei prevê, em termos de informação, apoio e aconselhamento psicológico a quem quer ser mãe, o que significa que não há "consentimento livre e esclarecido".
"É assustador que num país cada vez mais envelhecido, uma mulher grávida que quer ter o seu filho não encontre qualquer apoio para o ter. Sabemos que há mulheres que abortam simplesmente porque não têm dinheiro", mas "uma grávida que vá à internet procurar a que apoios tem direito, o que lhe aparece é o site da Direção-Geral da Saúde a dizer como é que pode abortar", alerta.
A FPV, que apoia no terreno muitas mulheres grávidas, fala em dificuldades crescentes. Seabra Duque cita dados oficiais que mostram que o recurso ao aborto tem aumentado, porque é a única opção que o Estado oferece e facilita. "Nestes 17 anos foram mais de 270.000 as crianças que deixaram de nascer, por via do aborto a pedido", refere, sublinhando a desproteção em que muitas mulheres se encontram.
"Perante o Patrão, que ameaça despedi-la, perante o companheiro que ameaça abandoná-la e expulsá-la de casa, perante a família que ameaça cortar o apoio financeiro, a mulher está totalmente abandonada. Os dados da DGS indicam que quem aborta são as mulheres mais pobres", o que é "um indicador claro de que o aborto não é, a maior parte das vezes, uma questão de liberdade da mulher. O aborto é a única opção que é dada", critica.
José Maria Seabra Duque aponta, ainda, aos partidos que promoveram o referendo ao aborto em 2007 por não se preocuparem com a aplicação da Lei, considerando que o tema é discutido "do alto de uma torre de marfim, com uma bandeira ideológica que serve para abanar nas alturas eleitorais, mas deixando ao abandono milhares de mulheres".
Para o representante da Federação Portuguesa pela Vida, a atual crise no Serviço Nacional de Saúde (SNS), e em particular o fecho de muitas urgências de obstetrícia, faz com que ser mãe hoje seja como "jogar na lotaria". As mulheres "ou têm seguro de saúde ou não sabem o que vão encontrar no SNS".
A FPV alerta, ainda, para os ataques que estão a ser feitos ao direito dos médicos à objeção de consciência, seja no aborto, seja na eutanásia. "Obviamente que nenhum médico pode ser obrigado a fazer um ato que fere a sua consciência. É uma coisa que está defendida não só na Constituição, como na legislação internacional", defender afirma.
Em tempo de eleições, no próximo dia 20 de fevereiro a Federação Portuguesa pela Vida vai lançar o manifesto "O Valor do Outro", contra a cultura “individualista e do descarte”, e em defesa da dignidade humana. A apresentação vai decorrer no Colégio de S. Tomás, em Lisboa, às 21h15.
Seabra Duque diz que querem alertar para a "cultura de morte" em que o país caiu, com a promoção do aborto e da eutanásia, sem outras políticas e medidas de apoio. "As pessoas pedem para morrer porque estão sozinhas e mal acompanhadas. Isto nasce de uma cultura cultura do individualismo e nós, porque sabemos que a política faz cultura, temos o dever de intervir politicamente, quanto mais não seja através do nosso voto, para tentar construir uma cultura de respeito pelo outro e de amor ao próximo, para que seja possível ultrapassar tantas dessas situações dramáticas", refere.
"Tu estás doente e em sofrimento, mas eu não te ofereço cuidados paliativos nem cuidados continuados, não te ofereço companhia, mas ofereço uma injeção letal. Esta é a cultura que nós queremos combater", sublinha.
O manifesto, a que a Renascença já teve acesso, fala do aborto e da eutanásia, mas também da liberdade de consciência, da liberdade de educação, da família e da solidariedade. Dia 27 de fevereiro esperam discuti-lo, no mesmo local, com representantes dos vários partidos.
"Convidámos todos os partidos com assento parlamentar para virem conversar sobre o nosso manifesto. Sabemos que nem todos concordam connosco - aliás, a maior parte não concorda -, mas queremos também conhecer a posição dos partidos sobre estes temas, e esperamos que todos se façam representar", afirma.