14 fev, 2024 - 08:01 • Lusa
Apenas o IPO de Lisboa tem uma consulta para sobreviventes de cancro pediátrico que terminaram o tratamento há mais de cinco anos, alertou a associação Acreditar, defendendo que deveria existir em todos os centros de referência de oncologia pediátrica.
Todos os anos são diagnosticados em Portugal cerca 400 novos casos de cancros pediátricos que, apesar da taxa de sobrevivência ser de cerca de 80%, continuam a ser a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes.
Na véspera de assinalar o Dia Internacional da Criança com cancro, a associação Acreditar afirma que "uma das iniquidades mais gritantes no caso dos sobreviventes de cancro pediátrico é não terem uma consulta de sobrevivência estruturada" em todos os centros de referência (Hospital Pediátrico de Coimbra, IPO Porto e Hospital de São João) como acontece no Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
A diretora-geral da Acreditar, Margarida Cruz, disse à agência Lusa que em Lisboa está estabelecida a "Consulta dos duros" para os doentes que ultrapassaram a realidade oncológica com sucesso, com um plano individual de seguimento que depende do tipo de cancro e do tratamento realizado.
"Mas não temos isso no resto do país, a não ser em questões pontuais em que o médico tenha interesse num caso ou noutro e que queira segui-lo", lamentou.
Margarida Cruz defendeu que este princípio devia estar contemplado na Estratégia Nacional de Luta Contra o Cancro, Horizonte 2030, que entrou em vigor este ano, e que tem como um dos objetivos aumentar a equidade no acesso a cuidados de saúde.
Para a responsável, "não pode existir equidade de acesso se os jovens que são sobreviventes de cancro não tiverem acesso a consultas de acompanhamento em igualdade de circunstâncias".
"Este tipo de seguimento é uma exigência mínima desta população que não está plasmada neste programa. Eu sei que existem problemas em outras áreas, mas isso não é motivo para que não coloquemos esta orientação e estes princípios num plano que tem um horizonte temporal relativamente alargado", defendeu.
Segundo a Acreditar, a degradação dos cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde está a preocupar pais e doentes, insistindo, por isso, que a estratégia deve integrar as recomendações do Plano Europeu de Luta Contra o Cancro, que insta os Estados Membros a dar primazia ao cancro pediátrico, e espelhar as necessidades e especificidades desta área, como a associação defende desde que o documento esteve em consulta pública em 2021.
"Aquilo que os responsáveis nacionais entendem é que o cancro pediátrico tem já um tratamento muito bom em Portugal e, portanto, que não carece de uma menção. A Acreditar entende que de facto há progressos bons (...) mas isso não pode levar a que o cancro pediátrico, que é relativamente raro e são muitos cancros diferentes, não tenha uma menção explícita", nomeadamente em "aspetos que são essenciais e que não podem ser negligenciados", declarou.
Margarida Cruz apontou o facto de haver tratamentos que não foram desenvolvidos especificamente para as crianças, o que disse ter "consequências muito gravosas na sobrevida destes doentes. A falta de investigação e a falta de tratamentos adequados leva a que dois terços dos sobreviventes tenham sequelas, que na maioria dos casos têm a ver com o tipo de tratamentos que foi efetuado".
"Sem olharmos para a qualidade destes tratamentos e a adequabilidade dos mesmos, não podemos melhorar a vida destas pessoas e a vida destas pessoas é desejavelmente uma vida longa", salientou.
Para a Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro, a estratégia também devia garantir o acompanhamento dos filhos por parte dos dois pais, sobretudo em fases agudas da doença, e assegurar que os pais possam manter o rendimento que tinham antes do diagnóstico.
"Nós percebemos que não possa ser implementado tudo uma vez, mas tem que haver um caminho, e se tem um plano com um horizonte temporal até 2030, tem que estabelecer o caminho necessário para lá chegar e chegar a bom Porto", rematou.