16 fev, 2024 - 01:02 • Lusa
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses defende que o Ministério Público devia "explicar o que é que aconteceu" no caso da Madeira em que o juiz de instrução criminal concluiu não existirem indícios de crime.
Manuel Soares falava à agência Lusa a propósito da diferença de avaliação sobre os indícios entre o Ministério Público (MP) e o juiz de instrução criminal que, na quarta-feira, deixou sair em liberdade com termo de identidade e residência (TIR) o ex-autarca do Funchal Pedro Calado e dois empresários detidos há três semanas para interrogatório após suspeitas de corrupção e outros crimes graves na Madeira.
"Deve ou não o MP, da forma que entender conveniente, explicar o que é que aconteceu? A meu ver, sim!", declarou o desembargador Manuel Soares, recordando que, já depois das buscas na Madeira, houve uma "conferência de imprensa do diretor nacional da Polícia Judiciária [Luís Neves] explicando as razões de ser da operação" e da sua "complexidade logística".
Entendendo contudo que, na altura, essa explicação devia ter sido dada pelo MP, porque é quem conduz a investigação, o presidente da Associação Sindical de Juízes referiu que face à decisão judicial de quarta-feira "suscetível de criar alarme" social, era "importante que o MP tranquilizasse" as pessoas sobre a sua atuação.
Numa altura em que é legítimo às pessoas pensarem que o MP pode ter atuado de forma precipitada nesta investigação, Manuel Soares entende que "se justificava uma intervenção" comunicacional do MP, nomeadamente para dizer que "vai recorrer e aguardar serenamente a decisão do Tribunal de Recurso [Relação] para que as pessoas percebessem a lógica de atuação do MP".
Em sua opinião, um processo que "tem esta marcha flutuante e pouco compreensível [para as pessoas] precisa naturalmente de explicação", nomeadamente por parte do MP.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes notou ainda que o processo da Madeira "tem aspetos que o tornam raro", sendo um deles o facto de haver "uma diferença tão grande entre uma avaliação feita pelo MP em conjugação com as polícias" sobre a matéria indiciária que levou à detenção dos três arguidos para interrogatório e depois, do lado oposto, uma "decisão judicial que os indícios que lhe foram submetidos não existem".
Madeira
Em democracia “não pode haver instituições sobre a(...)
Apesar desta etapa processual ser provisória, Manuel Soares reconhece que "objetivamente, olhando para o caso, é fácil dizer que uma das avaliações tem que estar errada", admitindo ainda que a situação em análise tenha "contornos de anormalidade e excecionalidade", com o interrogatório a demorar 21 dias a ser concluído.
Confrontado com as críticas vindas a público relativas ao exagero de meios humanos e logísticos utilizados no dia das detenções e das buscas na Madeira, Manuel Soares desdramatizou a questão, dizendo que "o facto de ter havido um maior aparato na operação policial não significa nada".
"Significa apenas que o MP e as polícias para as diligências que queriam realizar necessitaram daqueles meios", insistiu.
Manuel Soares admitiu que se o tribunal vier a considerar que não há indícios e as pessoas não vierem a ser acusadas, sendo absolvidas, estas pessoas têm o direito de pedir ao Estado para serem indemnizadas pelos danos que lhes foram causados pelo facto de terem estado 21 dias privadas da liberdade.
Segundo o despacho do juiz Jorge Bernardes de Melo, do Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, foi aplicada a medida cautelar menos gravosa ao ex-presidente do município do Funchal Pedro Calado, bem como aos empresários Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, e Custódio Correia, principal acionista do grupo ligado à construção civil Socicorreia.
Dias antes, o MP tinha pedido prisão preventiva, a medida mais gravosa, para os três arguidos.
A PJ realizou, em 24 de janeiro, cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias sobretudo na Madeira, mas também nos Açores e em várias zonas do continente, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
A investigação atingiu também o então presidente do Governo Regional da Madeira (PSD/CDS-PP), Miguel Albuquerque, que foi constituído arguido e acabou por renunciar ao cargo, o que implicou a demissão do executivo madeirense.