08 mar, 2024 - 11:46 • João Mira Godinho
A chuva que, de forma mais ou menos regular, tem caído na zona do Algarve, desde o início de fevereiro, tem sido uma verdadeira benção para a agricultura da região sul de Portugal. Mesmo que não reforce grandemente a água acumulada nas barragens, permite que não seja necessário regar os pomares. E isso, só por si, é uma poupança. Mas a melhoria do cenário não é suficiente para os agricultores algarvios desmarcarem o protesto que agendaram para esta sexta-feira.
“Exactamente, [a situação] melhorou mas, mais uma vez, não é o Governo que está a fazer alguma coisa, é o São Pedro”. David Ferreira, 36 anos, responsável de produção da Frutas Tereso (uma das maiores empresas de citrinos algarvia), dá voz às críticas. “Nós estamos dependentes de fatores externos, ou chove ou não chove. E isso não faz sentido quando [a falta de chuva] é um problema que está identificado há 30 ou 40 anos”, ascrescenta.
A Frutas Tereso é uma das organizadoras do protesto desta sexta-feira. Um protesto em que os agricultores vão percorrer, em marcha lenta, a EN125, na zona de Boliqueime, entre Vilamoura e Albufeira. Em causa não estão os cortes no abastecimento de água, anunciados pelo Governo, mas a forma desigual como foram determinados: Enquanto a agricultura vai ter uma redução de 25% na água disponível, outros setores, como o turismo ou a indústria vão ter um corte de 15%.
"Chegámos a um ponto em que temos de cortar porque não há água disponível para toda a região”, admite David Ferreira que, no entanto, não compreende o motivo pelo qual "o setor primário é o mais prejudicado”. E argumenta: “nós não consumimos água. Nós transformamos água em alimentos". E acrescenta um desabafo: “A agricultura é a arte de empobrecer alegremente”.
Pedro Mogo, 46 anos, é o responsável pela Quinta Branquinho, uma empresa unipessoal que se dedica à agricultura na zona de Faro. E se sente o tratamento diferente que é dado à agricultura, também sofre com críticas. No início do século, decidiu trocar as árvores de citrinos por abacateiros. Agora ouve quase diariamente acusações que a produção deste fruto exótico consome demasiada água e não é adequado ao Algarve.
“A nível de consumos anuais é muito identica ou igual aos citrinos”, garante, e diz que quem condena a exploração de abacates na região sul “não sabe do que fala”. Pedro assegura que a experiência diária lhe mostra que os críticos estão errados. E a própria Direção Regional da Agricultura do Algarve publicou um estudo (“Rega das Culturas/Uso Eficiente da Água”, em que o consumo de água dos abacateiros é equiparado ao dos citrinos e é muito inferior, por exemplo, ao das amendoeiras, uma cultura também bastante dissiminada pelo Algarve.
Para o responsável da Quinta Branquinho os abacates tornaram-se num alvo perante a situação de seca. Tal como a agricultura algarvia. E é preciso bom senso. “A agricultura pode ser um bode espiatório mas todos temos de trabalhar em conjunto, porque a região tem falta de turismo, da agricultura e da população. Senão vamos todos embora e isto é o deserto”, frisa.
Pedro Mogo também tenciona participar no protesto desta sexta-feira. E com os pomares na zona de Faro, prepara-se para fazer os 30 km até Boliqueime de trator. “É uma hora perdida, mas temos der fazer ouvir a nossa voz”, explica, por entre os abacateiros. “Eu quero que isto fique para os meus filhos. Eles vêm para aqui todos os dias E se um dia gostarem de dar continuidade a isto, podem continuar. Se eles quiserem e se o Estado deixar”.