13 mar, 2024 - 07:51 • Lusa
O médico Jorge Roque da Cunha vai deixar a liderança do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), após 12 anos, com a sensação de dever cumprido e a "convicção profunda" de que um cargo de responsabilidade "não é eterno".
Roque da Cunha, que está no SIM desde a fundação do sindicato em 1979, assumiu o cargo de secretário-geral em 2012. Desde então, enfrentou desafios ao sistema de saúde como os cortes no tempo da "troika", a pandemia de Covid-19, a falta de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde e paralisação de muitos serviços de urgências.
Em entrevista à agência Lusa, Jorge Roque da Cunha revelou que vai deixar a liderança do SIM no próximo congresso do sindicato, marcado para 23 de março em Peniche, passando o testemunho a Nuno Rodrigues, médico de saúde pública.
Roque da Cunha disse que deixa o cargo "com a sensação do dever cumprido" e por "ter a convicção profunda que qualquer cargo de responsabilidade não é eterno", revelando que esta decisão tinha estado em cima da mesa há cerca de três anos, mas a pandemia fê-lo continuar no cargo.
"Não saio cansado, não saio porque estou desmotivado, ou porque tenha a carga de trabalho que naturalmente um cargo destes exigiu, porque continuo a ser médico no centro de saúde de Camarate, mas essa decisão também é alicerçada numa equipa que me acompanhou, que me ajudou muito", adiantou.
Sobre o futuro secretário-geral do SIM, Roque da Cunham disse que "tem muita experiência em termos negociais e é uma mais-valia para o sindicato".
"Naturalmente que eu irei continuar de uma forma menos ativa a contribuir para este trabalho, mas não podemos eternizar porque uma organização necessita de sangue novo e de ser renovada, com a consciência tranquila de um legado que nos orgulha", afirmou, lembrando os processos negociais e acordos assinados com várias instituições e governos.
Segundo o líder sindical, "há um conjunto muito grande de matérias" para as quais contribuiu que "necessitam de sangue novo, de outras abordagens, e de uma equipa".
"Isto é impossível de funcionar sem ser em equipa, perante um Governo novo que sabemos que não vai ter estado de graça" devido à gravidade dos problemas no SNS e à dificuldade de acesso aos cuidados saúde.
Ao fim de quatro mandatos à frente do SIM, Roque da Cunha disse que guarda "alguma mágoa" devido à "incompreensão e a injustiça" com atitudes difíceis que teve de tomar, nomeadamente quando assinou o acordo com o Governo que permitiu um aumento intercalar de 15% para os médicos.
"Foi um acordo mais do que razoável, foi o acordo possível. Ter sido insultado, quase vilipendiado, até com ataques de caráter de colegas que depois no fim do dia vão usufruir desse acordo, enfim, gostaria que eles tivessem agradecido", confessou.
Por isso, reiterou, "a única mágoa que eu tenho é um pouco esta ingratidão, mas faz parte da vida e tem as grandes alegrias, porque contribui efetivamente para que a situação dos médicos fosse um pouco melhor e a situação dos doentes pudesse ser um pouco mais interessante em termos de acesso aos cuidados de saúde".
Para Roque da Cunha, também "é um orgulho" deixar um sindicato que tem cerca de 160.000 euros para apoiar os internos na sua formação.
"A responsabilidade que o Estado tem de apoiar os seus trabalhadores, nós estamos a colmatá-la de alguma maneira e quando hipocritamente se diz que é preciso que estes médicos sejam obrigados a ficar no SNS, porque o Estado despende muito dinheiro na sua formação, é uma falsidade", criticou.
Roque da Cunha defendeu que se não fossem os internos "as escalas de urgência, as consultas, as enfermarias (...) colapsavam em absoluto".
Relativamente ao congresso, adiantou que Nuno Rodrigues já apresentou o programa que é de continuidade.
"Tem algumas coisas novas, não só melhorar a nossa capacidade de comunicação, mas fundamentalmente não perder o foco na nossa capacidade de diálogo, de procura de soluções e de entendimentos" para que os médicos possam ter uma perspetiva de carreira médica que evite o que tem ocorrido nos últimos anos: o recurso cada vez maior a prestadores de serviço.
"No ano passado, cerca de 200 milhões de euros foram despendidos em prestadores de serviço e cerca de 10 milhões de horas extraordinárias foram efetuadas no Serviço Nacional de Saúde. Portanto, isso é completamente ingerível", rematou.