02 abr, 2024 - 19:01 • João Pedro Quesado com Lusa , Vasco Bertrand Franco
O Governo de António Costa aprovou, na última semana em funções, aumentos salariais de 7,89% para mais de 104 mil trabalhadores do setor privado que não estão abrangidos por mecanismos de contratação coletiva. A portaria foi publicada esta terça-feira, dia da tomada de posse do Governo de Luís Montenegro, em Diário da República, mas todas as confederações patronais se opuseram. À Renascença, Luís Gonçalves da Silva, advogado especialista em direito do trabalho, confessa que também não vê com bons olhos a medida.
Os aumentos, que vão dos 60 aos 95 euros, abrangem 11 níveis salariais e várias profissões: trabalhadores de limpeza, porteiros, contínuos, telefonistas, rececionistas, analistas e vários técnicos administrativos, de secretariado, de contabilidade, apoio jurídico, informática e recursos humanos – mas também para diretores de serviços. Também o subsídio de refeição sobe, em 39 cêntimos (para 6,39 euros).
A portaria reconhece a oposição da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Luís Gonçalves da Silva, advogado especialista em direito do trabalho, também não considera que esta seja “uma boa medida”.
“Este é um dos bons exemplos em que não seria por mais duas semanas que o próximo Governo não deveria ter ficado responsável por tomar a decisão política ou até mesmo por pedir alguma sugestão à Comissão técnica”, considerou o consultor da Abreu Advogados, em declarações à Renascença.
Luís Gonçalves da Silva alertou que as organizações sem fins lucrativos podem ficar em risco devido a um aumento dos encargos salariais, e critica que o Estado tenha “uma dimensão na fixação de montantes, seja do subsídio de refeição, seja de outros” quando “temos assistido a um movimento de aproximação entre a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e Código do Trabalho”.
“Acho que estas medidas são medidas inexplicáveis e de uma certa desigualdade de política legislativa, ou de intervenção administrativa”, declarou.
Segundo uma portaria semelhante, emitida em 2019, "desde 1943 que o Estado tem demonstrado a preocupação de regulamentar as condições de trabalho para os trabalhadores administrativos a desempenhar funções em setores ou ramos de atividade para os quais não exista associação de empregadores constituída com a qual as associações sindicais que os representam possam celebrar convenções coletivas".
O último Governo liderado por António Costa justificou a “atualização das retribuições mínimas previstas” com a “atualização da retribuição mínima mensal garantida, no valor de 820,00 €”, assim como a persistência da inflação "e as suas consequências no atual contexto económico e social". Mas o argumento não colhe junto dos patrões.
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) argumentou, quando o aviso foi publicado pelo Governo no Boletim do Trabalho e Emprego - em 8 de março - que a atualização salarial deve ser de 5%. A razão, diz a CCP, é “a desaceleração da inflação, do preço dos combustíveis e das taxas de juro, aliada ao contexto de incerteza sobre a evolução da economia mundial e instabilidade associada à guerra”.
A CCP indica ainda que é esse o valor previsto no Reforço do Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade.
A CIP, por seu lado, defende que a atualização de 7,89% "terá maior repercussão no terceiro setor, nomeadamente nas organizações não governamentais e sem fins lucrativos, as quais, pela sua própria natureza, dificilmente poderão suportar os encargos do aumento salarial projetado" e considera ainda que, face à atual conjuntura, o aumento salarial "se revela contraproducente".
Já CAP afirma que "a produção de efeitos da portaria de condições de trabalho deve ser reportada somente ao dia 1 do mês anterior ao da sua publicação, uma vez que o pagamento de vários meses de retroativos coloca dificuldades de tesouraria às entidades empregadoras abrangidas pela portaria".