16 abr, 2024 - 21:01 • Lusa
O 25 de Abril abriu as portas de um armário onde estavam os discos proibidos de passar na rádio, que nesse "dia inicial inteiro e limpo" puderam finalmente tocar, marcando o início de uma revolução musical em Portugal.
António Macedo é um homem da rádio e não esconde o entusiasmo ao recordar os dias loucos da música que se seguiram ao 25 de Abril, uma revolução que acompanhou primeiro em Angola, antes de regressar a Portugal, em 1975.
À Lusa, o radialista que durante anos foi a voz do "Programa da Manhã", na Antena Um, afirmou que o que mais mudou na rádio após o 25 de Abril é que "o que estava proibido deixou de estar proibido - e havia muita canção, muitas canções proibidas".
Na Renascença, por exemplo, havia uma lista de canções proibidas e, na emissora nacional radiodifusão, os discos eram mesmo riscados com um prego.
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Após o 25 de Abril, foi possível libertar as canções todas que estavam proibidas, que eram mesmo muitas, e que "eram canções de combate, que denunciavam, de uma maneira ou outra, sobretudo a Guerra Colonial, mas também o Estado em que vivíamos, o chamado Estado Novo, que era um Estado policial, uma ditadura, em que não havia liberdade de opinião, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e as outras liberdades todas, incluindo a liberdade cívica".
"As canções que estavam proibidas eram canções que tratavam disso, de poetas como Manuel Alegre, como o disco do Adriano Correia de Oliveira ("Canto e as Armas"), cujas músicas estavam todas proibidas, ou o "Cantaremos", que também tinha várias faixas interditas.
Inclusive a "Lágrima de preta", um poema do António Gedeão e música de José Niza, e que "é uma das mais espetaculares pérolas da música portuguesa", estava proibida, tal como numerosas de José Afonso, a começar, como é lógico, pela "Vampiros", porque era "um grande hino da sociedade".
António Macedo ilustra a madrugada da libertação com um episódio ocorrido nas ocupadas instalações do Rádio Clube Português: "O técnico de som José Ribeiro, hoje reformado, arrombou o armário onde estavam os discos proibidos e entregou-os a quem estava a fazer a emissão. É uma imagem que diz tudo. Aqueles discos foram para a cabine, onde não tinham lugar, tinham lugar num armário, que estava a fechado à chave".
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Os discos ficaram à disposição, embora os militares tenham optado pelas marchas militares, mas após o golpe consumado, esses discos começaram a rodar.
Na altura ainda em Angola, António Macedo foi-se apercebendo através dos relatos dos companheiros que existia uma "sede brutal de dar o direito às pessoas de conhecerem aquilo que as pessoas não sabiam que existia".
"Foi um bombardeamento de canções de intervenção, de protesto, do que estava proibido e o que foi gravado imediatamente a seguir ao 25 de Abril", indicou.
E explicou: "Os estúdios, as editoras, estavam mais viradas para a circunstância de, no encadeamento de liberdade, dar a possibilidade de, em liberdade, os que tiveram tantas músicas proibidas, poderem gravar em liberdade".
Simultaneamente, começam também a gravar os que vinham da música rock, da música elétrica, como o Fernando Tordo, o Paulo de Carvalho, o Carlos Mendes, e surgem nomes do passado que "gravam coisas novas para um novo tempo, o tempo da liberdade", como o António Calvário que alcança grande êxito com o tema "Mocidade", disse.
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"Aumentou brutalmente a diversidade da música portuguesa que passava na rádio", ao mesmo tempo que os músicos da parte elétrica começaram a gravar mais, e tudo isso vai "desembocar no período do final dos anos 70, início dos anos 80 [do século XX], do chamado "boom" do rock português, com o Rui Veloso logo à cabeça".
Para o radialista, "tudo isso foi possível por causa do 25 de Abril".
Desafiado a escolher a banda sonora da liberdade, António Macedo põe duas a tocar: A canção da liberdade, enquanto conceito, e a canção da sua liberdade.
A primeira é a "Liberdade", de Sérgio Godinho, na qual o artista canta que "só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação".
A canção da sua liberdade é a "Canção com Lágrimas", de Manuel Alegre e de António Correia de Oliveira. .
"É uma canção que me põe sempre a chorar e é a canção da minha liberdade. É a canção da minha vida, é a canção que antes do 25 de Abril nunca pude passar na rádio - porque fala da guerra e da morte na guerra - e foi a primeira canção que a 25 de Abril eu passei na rádio", recorda.