18 abr, 2024 - 10:00 • João Cunha
O som dos pássaros as primeiras horas da manhã na mata da Quinta dos Ingleses é interrompido pelo arrastar de um pequeno carro de compras, sem saco de transporte, onde Isabel Maria carrega quatro garrafões de água vazios. Está de robe por cima de um pijama e de chinelos e segue pelo meio da mata, a caminho da Praia de Carcavelos, onde um ponto de água potável lhe garante esse bem essencial.
A caminho do trabalho está uma outra residente da mata - onde serão entre 60 a 70 as tendas e caravanas espalhadas pelos espaços mais planos. Andreia Costa assegura que está ali há um ano e onze meses, "por estratégia, para juntar o que pagava no quarto e comprar uma caravana".
"Não estava a aceitar mais que 50 por cento do salário fosse para pagar um quarto. A pessoa não vive, sobrevive", diz Andreia.
"A maioria trabalha - e em dois empregos. Aqui ninguém quer ganhar casa de borla, ninguém quer nada de graça", prossegue.
Os moradores estão dispostos a sair dali para um terreno que possam alugar ou que a autarquia de Cascais possa ceder e esta semana foram a uma reunião da Assembleia Municipal de Cascais pedir isso mesmo.
"Na verdade, fomos lá para porque temos enviado cartas a pedir que alguém nos diga quanto tempo temos para sair. E para os que não têm condições, que nos digam o que podem fazer. Porque há quatro, entre eles dois portugueses, que não conseguem mais trabalhar."
Ao lado de Andreia está Marciele Pinho: "Eu adoro morar aqui. Virou família, na verdade. A gente ajuda-se, com documentação quanto é preciso. Às vezes, ficamos doentes, como eu, que fiquei de baixa e recebi por uma semana 50 euros. E foi dificil. Se não estivesse aqui, como é que fazia, se tivesse a pagar um quarto. O ultimo onde estive pagava 500 euros. Para quem ganha 800...!"
Numa caravana laranja, noutro ponto da mata, está Ricardo Oliveira, de gata ao colo, que, por ter a mania de fugir, levou a que uma vedação fosse instalada em redor da caravana e de uma tenda. Dava jeito andar solta, para perseguir as ratazanas que, aqui e ali, "inspecionam" o local, à procura de restos de comida.
"Estou aqui porque a minha mãe faleceu em 2022 e a minha tia no ano passado. Era ela a arrendatária da casa e eu fui despejado", adianta Ricardo, que vivia numa casa mesmo ali ao lado, no bairro do Junqueiro, na Parede.
"Já sabia desta zona aqui. Vim aqui ver e decidi vir. Tenho uma amiga que me ajudou em tudo isto. Comprou-me a caravana e uma tenda, que foi buscar a cem quilómetros daqui. e é ela que tem estado a ajudar-me em tudo."
Esteve na reunião da Assembleia Municipal e faz o balanço: "Para mim o presidente só disse treta."
"Primeiro, disse que não ia destruir árvores nem estragar a mata. Segundo, mandou-nos para ium parque decampismo, que são caros e não nos deixam lá viver. Depois, disse que a Camara estava a dar assistência. Qual assistência? Virem tirar os nomes das pessoas para saber quem cá está?", reclama.
"Estava a receber um cartão para fazer compras no Pingo Doce, mas desde Janeiro que não é carregado. Que ajuda é essa?", desabafa.
Para além de Ricardo, que sobrevive com o rendimento mínimo, há mais portugueses a viver em tendas.
"A D. Isabel tem 57 anos, teve cancro da mama em 2017 - teve que tirar o peito - e desde essa altura que está à espera de uma casa social. O senhoria da casa onde vivia há 10 anos pediu-lhe para sair, porque queria a casa para a filha. Assim, a toque de caixa", conta.
Ela lá vem. Depois da primeira de duas viagens até á praia, com o tal carrinho onde transporta três garrafões de água. Tal como Ricardo, Isabel Maria não tem emprego.
"Mandei um curriculo para os Maristas, porque disseram que precisavam de pessoal para o refeitório. Mas até agora, ninguém me chamou".
A familia sabe que ali está. Mas como diz o ditado, "família não se escolhe".
"A minha familia sabe. Tenho uma irmã em França. Os meus pais já cá não estão, infelizmente. Tenho um primo em Campo de Ourique, que tem prédios e quintas, Aliás, tem uma quinta em Sintra, com cavalos e tudo. Quase que lhe impolorei para me arranjar um quarto pelo qual estava disposta a pagar. Mas não..."
Por isso, ali vive desde o inicio do ano, depois de ter acompanhado noticias sobre os primeiros residentes na mata: "Como eu vi aqui um jovem português, que estava aqui com uma brasileira, a dar várias entrevistas, eu pensei para comigo que um dia ainda vinha para cá. E aqui estou."
Admite que não são melhores as condições em que vive. Sobretudo pela falta de eletricidade. Mas o que a preocupa mais é a insegurança: "Vivemos com um certo receio, porque houve roubos. Tenho receio de perder o pouco que tenho."
Não faz ideia onde estará a viver, digamos, daqui a seis meses. Mas espera que "pelo menos, que seja um sitio mais seguro".
Esta semana, vários moradores foram a uma reunião da Assembleia Municipal de Cascais, pedir para serem informados da data em que terão de sair. O presidente do município garantiu que o fará, em conjunto com a construtora Alves Ribeiro. Carlos Carreiras garantiu que a autarquia não tem terrenos disponíveis, mas lembrou que há um parque de campismo no concelho.
"Em relação à pergunta se temos algum terreno, não temos. Temos um parque de campismo no concelho de Cascais, é uma questão de ver se estão em condições de poder usufruir desse parque de campismo. Quanto ao tempo que têm para sair da quinta dos ingleses, decorre da decisão do Alves Ribeiro. O que me posso comprometer é entrar em contato com o Alves Ribeiro, e, com alguém da Alves Ribeiro, deslocar-me para dar essas informações", diz o autarca.
Carreiras diz que "muitos daqueles que lá estão hoje a dormir têm tido apoio de instituições de solidariedade social, nomeadamente do Centro Paroquial e Social de Carcavelos". A instituição é apoiada pela autarquia pelo que "é um apoio indireto".
Quanto à outra afirmação de que vão derrubar a mata toda, não é verdade. As árvores que lá estão não são para serem derrubadas, isso é um conjunto de mentiras. Por outro lado, nós estamos a desenvolver para o município de Cascais a nossa estratégia local de habitação. Como compreenderão, não é possível dar prioridade a quem chegou agora ao concelho. Imaginemos que daríamos agora prioridade aos que estão na mata da Quinta dos Ingleses, o que é que seria para todos aqueles que já estão aqui no concelho há muitos anos, à espera de ter uma habitação condigna", questiona o presidente da autarquia de Cascais.
"Gosto de ser franco e direto e, estando consciente da situação social que estão a atravessar, eu diria que cabe a quem os convidou para irem lá para a Mata dos Ingleses - e alguns até alugaram tendas para utilizarem lá - convidá-los para as suas próprias propriedades e para o seu próprio património, que certamente terão", atira, ainda, o autarca.