20 abr, 2024 - 09:30 • Marisa Gonçalves
A história do poema-canção “Grândola, Vila Morena” pode ser conhecida, a partir deste sábado, num novo núcleo museológico do município de Grândola.
A letra foi escrita por José Afonso, depois de ter realizado um espetáculo na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, em 1964.
“Estávamos em plena ditadura, portanto, em plena guerra colonial. O Zeca sentiu, dentro daquela sociedade musical, um espírito muito grande de liberdade, solidariedade, e uma grande união entre todos, por contraste com tudo aquilo que se podia sentir no país, do ponto de vista político”, recorda à Renascença Francisco Fanhais, uma das vozes da denominada música de intervenção.
A gravação veio a acontecer em França, onde Francisco Fanhais esteve no exílio, juntamente com José Afonso e José Mário Branco, o produtor musical do álbum “Cantigas do Maio”, do qual faz parte a “Grândola, Vila Morena”.
O álbum foi gravado em outubro de 1971, no Strawberry Studio, em Hérouville, a cerca de 30 quilómetros de Paris.
“O Zé Mário decidiu que não haveria instrumentos, só vozes. Ele tinha na memória os grupos de trabalhadores alentejanos que, no fim do dia de trabalho, voltavam para casa e iam cantando na rua, arrastando os pés. No entanto, em estúdio, não tínhamos maneira de gravar esse efeito sonoro dado que o chão era liso”, adianta.
Foi preciso, então, improvisar e sair para a rua. Ali perto se encontrou um local com gravilha no chão, o que constituía as condições ideais para reproduzir o ritmo e o som dos passos que acompanham a faixa musical.
“Só havia um problema. No sítio onde esses passos podiam ser gravados passava uma estrada. Quando nós começássemos a gravar, por mais que o quiséssemos evitar, passavam carros. A única hipótese foi gravar de noite. Eram então 03h00 quando fomos os quatro para essa zona onde havia a gravilha. O José Mário Branco, o Zeca, o Carlos Correia, que era quem na altura acompanhava o Zeca à viola e eu próprio”, conta o presidente da Associação José Afonso.
Foi assim que, nesses alvores de uma madrugada fria de outubro de 1971, em França, surgiram os primeiros passos que já eram de revolução, embora ninguém o pudesse adivinhar.
A “Grândola, Vila Morena” viria a ser a segunda senha transmitida pela rádio. Seria anunciada aos 25 minutos do dia 25 abril de 1974 por Leite de Vasconcelos, no programa “Limite” da Rádio Renascença, como sinal para que fosse dado início às operações militares.
“Nenhum de nós imaginava que dois anos e meio depois, seria a última senha escolhida pelos militares. Sinto uma alegria muito grande em saber que assim aconteceu também ao som da minha voz. De cada vez que a Grândola é cantada, é como se nós recuperássemos asas e força para não desistir deste combate diário pela transformação do nosso país numa terra onde cada vez mais valha a pena viver”, declara o também presidente da Associação José Afonso.
No âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 Abril, o município de Grândola inaugura este sábado um museu interativo e imersivo, dedicado à canção que se tornou senha da Revolução dos Cravos.
O autarca António Figueira Mendes, que chegou a ser detido pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), diz à Renascença que o novo espaço “representa tudo aquilo que foi o Estado Novo, a censura e a história de Grândola”.
O visitante tem à disposição várias áreas de exposição, filmes e atividades interativas. “Quando entra no museu pode ver várias fichas de muitos dos presos grandolenses e uma biblioteca que contém os livros censurados. Há também uma gravação para ouvir do Zeca Afonso a explicar como construiu a canção. Podemos ainda ouvir os relatórios e as interrogações dos agentes da PIDE”, acrescenta o autarca.
A inauguração acontece às 15h00 e vai contar com um momento musical protagonizado pela Banda Filarmónica da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense.