18 jul, 2024 - 14:12 • João Carlos Malta
“Pode-se considerar uma discriminação em função das pessoas trabalharem ou não quererem trabalhar. As pessoas podem não querer trabalhar”, defende à Renascença, o constitucionalista Bacelar Gouveia, sobre um Projeto de Resolução do Chega aprovado na Assembleia Regional dos Açores que quer alterar os critérios de acesso às creches gratuitas.
A ideia, segundo o que é esta quinta-feira noticiado pelo Expresso, é a de dar prioridade aos filhos de pais empregados em relação aos menores cujos progenitores não trabalham.
“As pessoas não são obrigadas a trabalhar, isso é uma intromissão na vida privada. A pessoa pode ser rica, pode estar no café o dia todo, porque é que o seu filho não há-de ir a creche como os outros?”, questiona o especialista.
Bacelar Gouveia considera que esta situação do ponto de vista formal não lhe parece legítima. “É uma desigualdade em função de um critério que não é relevante”.
Segundo o Governo, esta medida vai permitir "reduz(...)
Segundo o texto do projeto de resolução do Chega deve-se dar “prioridade às crianças provenientes de agregados familiares cujos progenitores ou encarregados de educação estejam empregados”.
Na prática, vai colocar no fim das listas de espera para acesso às creches, os filhos de pais desempregados ou que estejam a receber prestações sociais.
A resolução, escreve também o Expresso, foi aprovada com os votos da maioria de direita (o Chega e os partidos da coligação de Governo: PSD, CDS-PP e PPM), embora dois deputados, um do PSD e outro do CDS, tenham abandonado o plenário na hora da votação. PS, BE e PAN votaram contra e a Iniciativa Liberal absteve-se.
Questionado pelo Expresso, o Governo de José Manuel Bolieiro confirma que o Governo quer testar os critérios, incluindo o da situação de emprego, num “projeto piloto” para perceber se “efetivamente estes critérios são justos”.
Assim, será analisada uma amostra da lista de espera, diz fonte governamental. “Não é naturalmente entendimento do Governo deixar crianças com vulnerabilidade para trás”, garante fonte oficial do executivo ao Expresso.
A mesma fonte sublinha que o que está em causa é um Projeto de Resolução, que é uma espécie de recomendação. Contudo, nos Açores estas são por normas adotadas pelo Governo Regional.
O facto de ser um projeto de resolução é na visão de Bacelar Gouveia considerado apenas uma manifestação de interesse e de vontade política, mas em termos legais incipiente.
Para ter efeitos legais e definitivos nas regras de acesso às creches, a “Assembleia Regional teria de legislar nesse sentido através de um decreto de lei”.
José Manuel Bolieiro sublinhou a importância de o (...)
“É uma prestação social e tem de estar na lei, não é por resolução que se mudam esses critérios”, resume.
Bacelar argumenta que um projeto de resolução é a “exortação de existência de um problema e de uma via para o resolver”. “Mas isso só muda na realidade quando houver um decreto regional nesse sentido”, explica.
“Tem um efeito político, mas não prático”, sublinha o constitucionalista.
Bacelar Gouveia duvida de que a ideia possa ser aplicada como projeto piloto, porque para isso acontecer “só se se der uma ordem à Administração Regional e os pais que estiverem desempregados ficarem para trás, mas isso é ilegal face a legislação, porque a lei não mudou”.
“Isto é um direito de acesso a uma prestação social e à educação em sentido amplo”, acrescenta.
A deputada do Chega Olivéria Santos, citada também pelo Expresso, justificou a ideia desta forma: “Nós não estamos a dizer que não vai haver crianças que vão ficar em casa, coitadinhas. Vai haver lugar para todos. Agora tem de haver critérios. Temos de priorizar. Pais que trabalham, [têm de ter] direito à creche. Pais que estão em casa e podem tomar conta dos filhos, ficam em casa tomando conta dos filhos”.
A mesma deputada referiu-se às crianças em situação de vulnerabilidade como crianças “cujos pais recebem Rendimento Social de Inserção (RSI)”. Na sua linha de argumentação, a “economia e desenvolvimento” estão a ser prejudicados porque se está a “tirar o lugar” aos que “querem trabalhar”.
Bacelar Gouveia esclarece ainda que caso a Assembleia Regional avance para um decreto de lei que vise alterar as condições de acesso às creches açorianas e na qual esteja inscrito este critério, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem sempre a possibilidade de o vetar ou enviar para apreciação e fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.
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