Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Cuidadores informais."Não somos pessoas, somos mão de obra a custo zero para o Estado"

03 set, 2024 - 07:30 • José Pedro Frazão

A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais diz que o apoio domiciliário, o descanso do cuidador e a capacitação e formação, entre outras ajudas incluídas na nova versão do Estatuto do Cuidador aprovado em novembro, não passaram do papel.

A+ / A-

As medidas de apoio aprovadas há quase 10 meses no Estatuto do Cuidador ainda não sairam do papel. A denúncia é da vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, deixada na edição desta semana do programa "Da Capa à Contracapa", da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que esta semana debate os desafios dos cuidados formais e informais em Portugal.

"As medidas de apoio que saíram em lei em Novembro não estão a ser aplicadas. Os cuidadores continuam a não ter apoio domiciliário nem descanso do cuidador - mesmo pagando, porque as vagas não existem. Há imensas filas de espera. As entidades que vão prestar o descanso ao cuidador têm poucas vagas ou utilizam-nas noutras áreas", afirma Maria dos Anjos Catapirra. O apoio domiciliário e o descanso do cuidador são medidas só aprovadas em novembro de 2023 no quadro do Estatuto do Cuidador.

A cofundadora da Associação que representa os cuidadores informais diz que "ninguém consegue receber" apoio psicológico, assinalando que os centros de saúde encarregues dessa ajuda não têm profissionais em número suficiente para apoiar os cuidadores informais.

O Estatuto prevê a formação e capacitação, para ajudar os cuidadores informais a lidar com o contexto de saúde das pessoas que recebem os seus cuidados, mas a Associação diz não ter conhecimento da implementação dessa medida.

"Isto seria essencial, porque foi para isto que lutámos. Não somos profissionais de saúde, a grande maioria de nós não vem da área da saúde. Essa capacitação seria importantíssima", explica Maria dos Anjos Catapirra no programa da Renascença.

Sem apoios e sem respostas

A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais afirma já ter comunicado estas queixas ao actual Governo, mas não obteve respostas da secretária de Estado da Inclusão. E a questão não é financeira, assegura esta dirigente.

"Foram orçamentados 30 milhões de euros em cada ano de legislação aprovada, com excepção do último ano com 27 milhões. O custo total para cuidadores informais foi de 26 milhões em 4 anos. Portanto há verbas", afirma Maria dos Anjos Catapirra. "Há muita falta de vontade política em apoiar os cuidadores informais. Nós não somos pessoas, somos mão de obra a custo zero com muito interesse para o Estado", critica no debate organizado a propósito do livro "Quem cuidará de mim?”, agora publicado pela FFMS da autoria de Ana Paula Gil, professora e investigadora da Universidade Nova de Lisboa.

Apenas 16 mil pessoas têm o seu estatuto de cuidador reconhecido e destas 50% são cuidadores informais. No entanto, há cálculos que apontam para mais de um milhão de pessoas exercendo cuidados em Portugal. A autora do livro agora publicado diz que faltam políticas que ajudem as famílias e que pensem nos cuidados num horizonte mais alargado.

"Todos queremos envelhecer em casa, mas a que preço? O que tem acontecido tem por base a garantia de que a mulher ou o homem vai estar disponível para cuidar. Faltam políticas de cuidados de longa duração, que possam responder ao apoio no domicílio. Se queremos que as pessoas envelheçam com qualidade e conforto no seu próprio domicílio, as pessoas precisam de ser apoiadas com serviços de retaguarda e com equipas domiciliárias, onde há uma escassez enorme", afirma a investigadora da Universidade Nova, na Renascença.

Homens cuidadores de todas as idades

70% dos cuidados informais em Portugal são prestados diariamente por mulheres com mais de 50 anos, representando 9% da população portuguesa. Mas há cada vez mais relatos de homens a prestar cuidados informais e a Associação Nacional de Cuidadores Informais diz receber cada vez mais contactos de homens que precisam de ser apoiados na sua tarefa de cuidadores.

"Somos contactados por muitos homens cuidadores informais, não apenas a cuidar das esposas mas também das mães. Encontramos imensos. Muitos deles tiveram mesmo que deixar a carreira profissional nas faixas etárias acima de 50 anos e sabemos a implicação que isto traz", alerta Maria dos Anjos Catapirra.

A dirigente da Associação Nacional de Cuidadores Informais assegura que há muito mais homens a cuidar, de todas as idades. Há cada vez mais casos de jovens estudantes a prestarem cuidados na sua própria casa.

"Muitos jovens estão a cuidar das mães que apresentam doenças precoces. Esses jovens são obrigados a cuidar das mães, porque no agregado familiar, normalmente eles são estudantes e podem faltar com mais facilidade. São eles que ficam a cuidar do pai ou da mãe, por exemplo, com uma doença degenerativa. Ninguém fala nesses jovens. Inclusivamente a nossa legislação não permite que eles sejam considerados cuidadores informais", revela a convidada do "Da Capa à Contracapa".

No programa, a dirigente da associação dá também exemplos de muitos homens idosos sem apoios a cuidar de mulheres em casa.

"Um senhor com muita idade ligou-me porque a esposa tinha Alzheimer, já não comia nem bebia há uma semana e ele não sabia o que fazer. Fui eu que lhe disse para levar a esposa com urgência para o hospital, porque ela iria certamente entrar em falência ou pelo menos em desidratação. Nem no centro de saúde nem na proximidade nem no município, ninguém lhe deu qualquer tipo de apoio", conta Maria dos Anjos Catapirra.

Idosos nos hospitais

A falta de formação e de apoios concretos aos cuidadores está também na base de muitas situações de altas hospitalares não concretizadas em pessoas idosas.

A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais considera que muitos cuidadores não têm condições para prestar a assistência de enfermagem que os seus familiares precisam após alta hospitalar.

"Se levar uma pessoa com uma doença neuro-degenerativa para o hospital com uma infecção urinária, esta é curada e tem alta. Mas a alta é dada com algálias, sondas naso-gástricas e esperam que o cuidador informal, sem formação nenhuma, trate de tudo como se fosse um profissional de saúde. As pessoas assustam-se. Já me aconteceu isso e não aceitei uma alta hospitalar porque não tinha condições para tratar daquela pessoa", confessa Maria dos Anjos Catapirra.

No programa "Da Capa à Contracapa", a investigadora da Universidade Nova, Ana Paula Gil, concorda que não há "serviços de retaguarda" para ajudar estas famílias a braços muitas vezes com pessoas que têm altas hospitalares com grandes níveis de dependência.

"Não existem políticas de apoio à família. As pessoas não estão preparadas, não têm formação, não sabem como cuidar, como colocar uma fralda, não sabem o que vem aí em termos de impacto da doença. Falta aqui uma discussão sobre as respostas que temos", sustenta a especialista, na Renascença.

O drama dos ex-cuidadores

Sobra ainda o cenário que surge no dia em que o cuidador deixa de o ser por morte da pessoa que cuidava.

A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais diz que são cada vez mais os relatos de precariedade a tomar conta da vida dos ex-cuidadores.

" A maior parte destas pessoas estão 24 horas a cuidar durante anos.Não têm rendimentos, o que implica que perderam uma série de anos na sua carreira de trabalho. Não têm descontos. Muitas estão em casa dos pais que são mais idosos e quando estas pessoas falecem , o cuidador informal fica sem fundo de maneio porque os subsídios ou reformas são automaticamente cortados e ficam sem habitação", descreve Maria dos Anjos Catapirra no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Paula daniel
    07 set, 2024 Ramalhosa, Caldas da Rainha 19:46
    Boa noite Sou cuidadora informal principal desde julho de 2023 da minha filha de 32 anos com incapacidade de 81%, doença rara progressiva degenerativa progressiva. Fiquei desempregada em janeiro de 2020, (a doença da filha foi descoberta em 2015). Tinha 52 anos de idade ( a um mês de fazer os 53), e 40 de descontos. Não podia ir para a reforma pois não tinha idade só descontos, não consegui trabalho porque a doença da minha filha agravou e começou a precisar de cuidados diários. Assim que acabou o subsídio de desemprego, não tive direito ao subsequente nem ao subsídio de cuidador. Marido foi obrigado a ir trabalhar longe de casa para fazer face às despesas. Além da filha tenho um filho de 22 anos na universidade. De março de 2023 até fevereiro de 2024 fiquei sem receber qualquer subsídio/ apoio da SS. Pedi a reforma ao abrigo de desemprego de longa duração quando fiz os 57 anos ( fevereiro de 2024), comecei a receber em 2 março de 2024, com bastante penalização. Apoio domiciliário não tenho,pois não tenho verba que chegue, psicóloga as médicas que seguem a minha filha, é que marcaram uma consulta para mim, assim que me vira num estado fatigante. Isto porque além da doença que lhe afeta a mobilidade,em março de 2023, partiu a tíbia e ficou depente de fraldas e semiacamada. Sou eu que a acompanha às consultas, à fisioterapia, exames etc. Sou eu que lhe faço a higiene todos os dias,vestir e levantar. Tudo o que faço aprendi por mim. Não sei se estou a fazer bem. É cansativo é
  • María jose C. Nunes
    06 set, 2024 Válega Ovar 01:17
    Olá, fui cuidadora informal de meu marido com carcinoma hepatocelular com metastização pulmonar, e cuidadora não informal de minha mãe com 97 anos, vivi o degradamento a cada dia que passava de meu esposo, enquanto eu também estava doente com várias operações renais e com duplos jotas, várias idas ao hospital por dor renal. Muitas idas com o marido a consultas e exames com muita dificuldade de transpórta-lo por esforço que fazia, desde vesti-lo, transportar na cadeira de rodas, a colocá-lo no carro, a tirá-lo do carro, estacionar, deixá-lo só enquanto estacionava, a consultas, a dar o pouco comer que conseguia, as noites mal dormidas muitas delas passadas quase em branco, o barulho do abanar da cama hospitalar com gradeamento,, muita, mas muita falta de descanso e ainda com a minha mãe… que infelizmente morreu a 28-3-2024, passado 15 dias de meu marido. Com tudo isto só quero frizar de que estava a dar em “louca” até às pessoas minhas chegadas, me diziam que estava muito cansada, exausta mas principalmente muito irritante…. O que eu quero dizer é que eu ando numa psicóloga que me ajuda muito! Mas é tudo! Ninguém merece ser tratada como coitadinha!! Eu tenho dores na cervical, lombar, ombros joelhos e mãos pelos esforços que fazia com os cuidadores! Não ganho tostão pelo desgaste que tive quer físico quer psicológico e tenho, pensava que estava a ficar “tola” já não suportava ninguém falar comigo!! Apenas ganho uma pensão sobrevivência por marido de 300€!Quem pode viver assim?
  • Ana Pereira
    05 set, 2024 Braga 22:43
    Sou cuidadora informal do meu filho com 87 / de incapacidade e revejo -me em todas essas palavras e acrescentaria muito mais 😞
  • Anastácio Lopes
    03 set, 2024 Lisboa 09:51
    O que não falta neste país são cidadãos explorados peço próprio Estado que ou não lhes paga ou o que lhes paga é um valor irrisório que os empurra para as pobreza e miséria, como se fosse assim que se estimulasse ou motivasse alguém para responder às necessidades do país.Se é verdade que os cuidadores informais têm razão nos seus protestos, o que dirão os bombeiros que estão largos meses para receberem os valores acordados com o Estado e muitas vezes sem qualquer atualização? O que dirão os trabalhadores DEFICIENTES e LICENCIADOS que continuam a ver as suas carreiras queimadas pelo próprio Estado que ainda hoje, 3/9/2024, os continua a impedir de se realizarem profissionalmente com o ingresso na carreira de Técnico Superior a que têm legítimo direito? Com esta vergonhosa e suposta gestão de Recursos Humanos, como podem estes ter vontade, estimulo ou seque brio profissional no desempenho das funções inerentes aos cargos que ocupam? Resumindo e concluindo para estes políticos que nos têm fingidamente governado há 4 décadas, apenas existem três classes intocáveis nos valores que se lhes pagam anualmente, Juízes, Políticos e Magistrados, tudo o resto, é para ser empurrado para as pobreza e miséria tal como o têm feito até hoje, seja através do incumprimento da lei como acontece com os DEFICIENTES e LICENCIADOS, PROFESSORES, MÉDICOS, ENFERMEIROS, etc, o que nos prova bem que o Estado nunca foi nem será um bom gestor, enquanto estes cargos forem ocupados nunca pelo mérito.

Destaques V+