03 out, 2024 - 11:39 • André Rodrigues
O triplo homicídio ocorrido esta quarta-feira numa barbearia na freguesia de Penha de França, em Lisboa, “ilustra uma tendência para o agravamento da criminalidade violenta e grave no nosso país”, admite à Renascença Rui Pereira, antigo ministro da Administração Interna.
“Apesar de o motivo ser fútil - e até por causa disso - o crime é muito grave”, reconhece o antigo governante, que defende um aumento da fiscalização no acesso a armas que, segundo diz, é “uma das primeiras fontes de perigo” neste tipo de ocorrências.
Apurar se a arma é legal ou ilegal é “um passo fundamental”. Por outro lado, continua Rui Pereira, “tanto quanto sabemos, o agente deste crime tinha, aparentemente, antecedentes de violência e, portanto, não devia ter nas suas mãos uma arma de fogo”.
Daí a pergunta: é aqui que falha a fiscalização no acesso a armas em Portugal? Rui Pereira diz não ter razões para duvidar do cumprimento da lei das armas, mas defende "que é necessário apostar numa política muito restritiva em relação às armas de fogo” e em “ações de busca direcionadas para a deteção e recolha de armas ilegais”.
André Inácio, diretor da pós-graduação em Criminologia e Investigação Criminal da Universidade Lusófona completa esta ideia e considera que Portugal tem uma lei das armas "extremamente completa, só que acaba por ser inexequível pela incapacidade de fiscalizar de forma eficaz”.
“Não é só apanhar as armas, é preciso seguir-lhes o rasto”, algo que se tornou ainda mais necessário e urgente desde o início da guerra na Ucrânia que “veio criar um novo mercado para as armas” que, em muitos casos, “estão a ser desviadas da Ucrânia através da fronteira da Polónia e estão a entrar na Europa”.
Os incidentes terão levado ao envio de equipas de (...)
Para este especialista, Portugal está "na ponta da Europa, mas estamos no centro de tudo o que se passa em termos de atividades ilegais: desde a elevada quantidade de drogas duras que são apreendidas até todo o tipo de outras atividades de criminalidade, mais ou menos complexa”.
De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), 2023 foi um ano marcado pelo aumento do número de participações de criminalidade violenta e grave.
Mas, nestas declarações à Renascença, André Inácio lembra que “já tinha avisado para o agravamento da situação, ainda antes do relatório ser conhecido: “inicialmente, o meu comentário foi contestado”, mas o tempo acabou por provar que “tínhamos cada vez mais criminalidade na sua forma de expressão e pelos motivos mais fúteis. E temos aqui, mais uma vez, essa situação”.
Algo, para o docente da Universidade Lusófona, não é alheio à transformação social motivada pela pandemia.
“Qualquer miúdo que hoje tenha problemas numa discoteca dá tiros ou esfaqueia”, alerta André Inácio, que atribui o exacerbar destes comportamentos aos efeitos da Covid-19.
"É preciso perceber, de uma vez por todas, que a sociedade está a mudar, que a pandemia teve consequências graves ao nível de patologias do foro psicológico, que as pessoas estão mais descontroladas, mais egoístas, sentem-se menos obrigadas socialmente, e não estão para ser contrariadas e, por isso, estão mais inconsequentes”, conclui.