25 out, 2024 - 06:00 • Redação
Entre janeiro e agosto, mais de 9 milhões e 600 mil euros foram gastos pelos portugueses em medicamentos contra a obesidade. Os fármacos são prescritos pelos médicos, mas não são comparticipados pelo Estado. O custo pode chegar chegar aos 150 euros.
A Renascença visitou algumas farmácias em Vila Nova de Gaia para entender se a procura por este género de medicamentos é algo regular e se os pacientes recorrem antes a aconselhamento médico.
Foi possível perceber que Trolícite e Ozempic são os medicamentos que suscitam mais interesse de compra por parte dos clientes. A razão é simples: são comparticipados pelo Estado.
Este é um tipo de fármaco direcionado para o tratamento de diabetes e um dos seus efeitos é o controlo de peso. Contudo, como só é vendido mediante apresentação de receita médica, existe a suspeita de que muitas das prescrições são fraudulentas.
Dessa forma, o volume de vendas é muito elevado e, no caso do Ozempic, há pessoas em lista de espera. Por uma questão de ética, os técnicos de farmácia não conseguem controlar essa questão.
Pelos casos a que assiste regularmente ao balcão da farmácia, Marco Cunha, farmacêutico na Farmácia Serra do Pilar, percebe que, muitas vezes, as pessoas "têm problemas de excesso de peso e não é por uma questão de escolha".
Entende ainda que, a longo prazo, a obesidade vai acabar "por acarretar outras consequências para a saúde", o que também acaba "por representar um encargo para o Estado".
"Continua a haver procura", diz o farmacêutico. Na sua opinião, a obesidade "é um problema de saúde" que segue uma tendência de aumento, o que consequentemente vai fazer crescer o número de receitas prescritas destes medicamentos.
O problema é que essa medicação não é comparticipada e as caixas podem chegar aos 150 euros. "Não é acessível a todas as pessoas", afirma o técnico da farmácia.
Na Farmácia Portela, a uns metros daquela que trabalha Marco Cunha, a realidade é semelhante.
Natália Esteves, também farmacêutica, diz começar a notar nas pessoas uma maior consciencialização pela procura de aconselhamento nutricional antes de tomar qualquer produto para emagrecer. No entanto, continua a haver "muita gente que, antes de ir ao médico, já recorre à farmácia para procurar alguns medicamentos de venda livre que atuam no metabolismo".
A diretora técnica da farmácia, Graça Camarinha, diz que essa é apenas "uma muleta" no combate à obesidade e que os efeitos, caso existam, só são visiveis a longo prazo.
Contas feitas, aquilo que as pessoas gastam durante meses - pequenas compras regulares de 20 ou 30 euros - acaba por ser o mesmo que gastariam numa única caixa de um medicamento prescrito, como o Saxenda ou o Xenical. "Aquilo custa à volta de 100 euros. É dinheiro, mas é eficiente", garante Graça Camarinha.
Ainda assim, a diretora técnica deixa um alerta: "corrigir a obesidade com medicamentos? Só quando não há outra hipótese".
A razão pela qual se justifica esta procura por alternativas suplementares é que os medicamentos "sujeitos a receita médica são caros". "Não sendo comparticipados, fica dispendioso para a população", afirma Natália.
Na perspetiva do presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Gustavo Tato Borges, a obesidade deve ser considerado um problema de saúde pública a partir do momento em que o número de casos é consideravelmente alto. "Dois terços da nossa população ou é obeso ou tem excesso de peso", revela.
O médico defende que comparticipar os medicamentos não será a solução mais indicada, mas não afasta a tese de que este pode ser um caminho para ajudar a combater a obesidade.
O primeiro passo para prevenir esta doença, na sua opinião, devia partir do Estado. Entre algumas formas de combater esta problemática, Tato Borges descata a promoção de uma "literacia" nutricional, de forma a todos perceberem "as vertentes que a obesidade tem", bem como a necessidade de um "trabalho alargado" entre os setores da alimentação e da saúde.
"No final de 2023, houve até um modelo de gestão do Programa Nacional Luta contra a Obesidade [...] que é o caminho de alargar este combate a todos os seus pormenores e não nos focarmos apenas no tratamento da obesidade", afirma.
Contudo, considera que a questão da obesidade não tem a importância que merecia entre os tópicos da saúde. Exemplo disso é o documento do Orçamento de Estado para 2025, onde a "palavra obesidade aparece apenas duas vezes".
Defende que devia haver por parte dos nossos governantes "uma valorização" de todos os fatores de risco, fatores esses "que são evitáveis".