Siga-nos no Whatsapp
A+ / A-

Operários da Lactogal em greve contra ambiente de medo e recusa do direito a amamentar

30 out, 2024 - 17:21 • Lusa

Na fábrica de Oliveira de Azeméis reivindicam-se aumentos salariais, honorários iguais para trabalho igual, fim do "ambiente de medo" na empresa e o direito legal das mães ao período de amamentação.

A+ / A-

Funcionários da Lactogal concentraram-se esta quarta-feira na fábrica de Oliveira de Azeméis para reivindicar aumentos salariais, honorários iguais para trabalho igual, fim do "ambiente de medo" na empresa e o direito legal das mães ao período de amamentação.

Esses foram os temas identificados como prioritários pelo SINTAB - Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos, a propósito da greve a decorrer até às 23:59 de hoje nas seis unidades portuguesas do grupo ibérico, que só em território nacional emprega, atualmente, cerca de 1.850 funcionários.

A Lactogal nega as acusações do sindicato, diz que "repudia quaisquer pressões que possam ser exercidas sobre os trabalhadores que pretendam aderir a protestos" e realça que, às 11:50, quando já tinham entrado em funções dois dos seus três turnos, apenas 12 colaboradores tinham participado na greve, o que representa "uma taxa de 0,8% concentrada exclusivamente na fábrica de Oliveira de Azeméis", que é uma das suas três unidades de produção.

No protesto que teve início às 10h00 às portas dessa fábrica não estiveram mais do que 40 pessoas, mas Avelino Mesquita, dirigente do sindicato, disse à Lusa que esse número não reflete o desagrado da força laboral da Lactogal: "Há pouca participação porque a empresa faz muita pressão sobre os trabalhadores e as pessoas têm muito medo de perder o emprego. Se não fosse esse ambiente, estava cá mais gente".

José Eduardo Andrade, também dirigente do SINTAB, realça, aliás, que teve que ir à fábrica esclarecer que a lei não permite represálias contra grevistas. "As trabalhadoras de frio tinham um chefe a ameaçá-las que, se fizessem greve, iam sofrer consequências e fomos lá dentro dizer que ele não pode fazer isso", explica.

Avelino Mesquita indicou que outro exemplo do mal-estar vivido na Lactogal é "a recusa da empresa em dar às funcionárias que são mães as horas a que têm direito para amamentar", o que se tem agravado nos últimos tempos.

"Há uma trabalhadora que começou a chorar no plenário ao contar isto, porque sabe que tem direito a essas horas, mas, quando o chefe a obrigou a fazer turnos, se sujeitou, com medo de perder o emprego", conta o sindicalista.

Ângela Soares é a operária em causa e confirma: "A empresa mandou-me uma carta a pedir previsão de quanto tempo eu ia querer amamentar e eu senti-me condicionada. Cedi, porque tive medo de ficar sem emprego".

Com Tânia Souto houve situação idêntica. Pediu horário diurno porque o marido trabalha por turnos e alguém tem que acompanhar a filha durante o dia, mas a Lactogal vem-lhe exigindo sempre mais documentação do que a imposta por lei. "Temos direito a isto até a menina ter 12 anos, mas aqui pedem-me horários da escola e comprovativos do horário do meu marido todos os anos, quando devia bastar eu apresentar os papéis uma vez, com a data de nascimento da miúda", explica.

"Até na empresa do meu marido ficam surpreendidos por aqui me fazerem isto todos os anos quando não é isso que a Lei manda", acrescenta.

Outro problema a motivar a greve é "a perseguição aos delegados sindicais", o que já motivou um processo judicial contra a Lactogal por essa ter mudado o posto de trabalho de um dirigente do sindicato sem justificação legalmente admissível, levando o referido funcionário a perder a sua categoria profissional.

Os restantes motivos para a greve prendem-se com a negociação do contrato coletivo de trabalho: os funcionários querem um aumento remuneratório mínimo de 150 euros mensais, "salário igual para trabalho igual", a valorização do trabalho por turnos e subsídio de frio, "que não tem atualização há mais de 20 anos". Exigem ainda a reposição das pausas de descanso existentes antes da última alteração de horários e que os "tempos de preparação e despreparação contem como efetivo tempo de trabalho".

Segundo o SINTAB, à reunião desta terça-feira, contudo, os representantes da administração da Lactogal "não levaram proposta nenhuma -- foi zero".

"Chega a ser chocante que eles não saibam sequer qual o valor que o Governo está a equacionar para o salário mínimo nacional e que, no fim de outubro, nos digam que não podem propor aumento nenhum porque a empresa não sabe de quanto vai ser o seu próprio orçamento", realça Avelino Mesquita. "Ou é treta ou a Lactogal está muito mal gerida", acrescenta.

Contactada pela Lusa, a empresa começa por afirmar que, assim "que uma das suas trabalhadoras informa que está grávida, a Lactogal propõe-lhe uma mudança para o turno diurno", após o que "quaisquer direitos decorrentes da gravidez, parto ou aleitamento são escrupulosamente cumpridos".

Já sobre as propostas remuneratórias, a empresa admite que na reunião de terça-feira não era oportuno analisar medidas concretas de valorização social, mas diz que essas estão "a ser estudadas" e propõe-se analisá-las após a devida orçamentação, até porque "ainda não está fechada -- nem sequer iniciada -- a negociação do contrato coletivo de trabalho com a ANIL [Associação Nacional dos Industriais de Laticínios], a que a Lactogal está vinculada".

Entretanto, a empresa informa que o volume de negócios do grupo ibérico em 2023 foi de "1.131.044.312 euros", ou seja, cerca de 1.131 milhões de euros, sendo que, desses, a faturação individual da Lactogal Produtos Alimentares foi de "826.252.163 euros" (cerca de 826 milhões de euros) -- o que não abrange a atividade da Queijos Santiago, adquirida em 2024.

Quanto à sua relação com os trabalhadores, a empresa considera-a "construtiva, transparente e colaborativa", salientando: "A Lactogal tem vindo a melhorar as condições dos trabalhadores, posicionando-se genericamente acima do Contrato Coletivo de Trabalho do setor e implementando benefícios sociais muito relevantes e de forma progressiva -- facto que é reconhecido pela generalidade dos trabalhadores, como, de resto, os números de adesão à greve atestam".

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+