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Reportagem

Bairro da Penajóia, Almada. "Se tivesse outras condições não estava aqui"

10 dez, 2024 - 06:30 • João Cunha

O bairro ilegal de Penajóia, no concelho de Almada, cresce a olhos vistos em terrenos do IHRU, o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. A autarquia de Almada acusa o organismo estatal a quem cabe garantir a habitação pública de ineficácia e passividade. Por sua vez, o IHRU diz que, em breve, avança a demolição, aguardando a revisão do PDM de Almada e a possível construção de habitação destinada a arrendamento acessível.

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Reportagem de João Cunha no Bairro da Penajóia, Almada

Por entre um amontoado de eletrodomésticos avariados ou em fim de vida, misturados com lixo, pilhas de entulho, paletes com tijolos de betão, montes de areia e de uma cerca que mal se vê - tal a quantidade de ervas e sacos de plástico trazidos pelo vento - lá está um dos acessos ao Bairro da Penajóia, no Monte da Caparica, a pouca distância do Bairro Amarelo.

Por ruas de lama, devido à chuva recente, lá estão as "casas" construídas com os tais tijolos de betão, que saem mais baratos do que os normais, os laranja, devido á sua maior dimensão. E em algumas paredes, os buracos, entretanto tapados com tijolos, onde um dia, quando o dinheiro o permitir, vão acolher a caixilharia para as janelas.

À porta de uma dessas casas, com vista para a estrada que dá acesso ao Terminal de Granéis Alimentares de Palença, do grupo Sovena, está Vital Veiga. Chegou "há um mês e pouco" de Cabo Verde e vive no bairro, num "cantinho" da casa que o filho diz ter construído, no topo de uma zona mais elevada. Lá vivem cinco pessoas: ele, o filho, a nora e duas crianças.

"Se eu tivesse alternativa, não morava com ele. O dinheiro do trabalho não dá para nada", diz este operário da construção civil, que admite não saber como vai ser o futuro.

"Não sei dizer. Depende do dono do terreno. Se ele tiver consciência, deixa-nos ficar aqui. Espero que sim, porque aqui há muita malta, com crianças. Para onde vão? Não há sítio."

Hermínio Cabral, filho de Vital, está há pouco mais de um ano a viver na tal casa no topo de uma zona mais elevada, no meio da Quinta. À porta está uma das filhas, de apenas um ano, que vai dizendo adeus, com uma das mãos, ao avô, no fim da rua. Hermínio não quis perder a oportunidade de ter um teto, onde não há água, esgotos ou eletricidade.

"Aqui está melhor que na renda. Sempre temos de buscar o melhor para viver", explica num português ainda marcado pelo crioulo. "Se eu tinha condições, claro que não estaria aqui. Comprava uma casa grande para viver. Eu como todo o mundo que está aqui".

Sabe que o dono do terreno é o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), uma entidade a quem deixa um apelo.

"Eles já passaram aqui várias vezes e falaram com as pessoas. Mas eles também têm de ver do outro lado, as condições das famílias", que "de um dia para o outro não podem ficar na rua".

Noutra zona do bairro, Francisco Sodré sai e bate a porta de casa. Uma porta de chapa metálica, das que se utilizam, por exemplo, nos acessos dos elevadores às garagens dos edifícios. Vive há um ano na Penajóia, numa casa com três divisões. Ele, a mulher e três filhos.

"Estou aqui porque em Lisboa a vida é cara, é difícil por causa dos salários baixos e das rendas altas. Por isso é que viemos para aqui."

Este angolano, há pouco mais de um ano na Penajóia, nem quer pensar na possibilidade de que a casa que tanto trabalho lhe deu a levantar seja, um dia, destruída.

"Com a família com que vivo, não sei como me sentiria", diz, cabisbaixo.

"Nós estamos aqui todos a rezar a Deus que a demolição não aconteça", garantindo que estão sempre dispostos a conversas com o IHRU e com a Câmara "para saber que passo querem dar e que haja boa vontade", porque "a demolição não vai cair bem para o povo".

É garantido que as habitações precárias da Penajóia vão abaixo. Só não se sabe quando.

Para já, "reina o medo entre os moradores", que, segundo Beatriz Lopes, do Movimento Vida Justa, que há muito acompanha este caso, pretendem saber para onde vão, que alternativas de alojamento vão ser garantidas.

"A autarquia e o IHRU estão a construir fogos no Monte da Caparica. Estas habitações são para moradores na Penajóia? Nós não sabemos."

Também não sabem, ao certo, quantas pessoas vivem no bairro.

"Desde setembro está a decorrer um inquérito entre os moradores do bairro", para fazer um levantamento do agregado familiar, por casa", para se saber quais as necessidades habitacionais dos que ali vivem. Beatriz Lopes revela que o processo de levantamento destes dados vai servir para "negociar uma solução para as famílias".

Enquanto isso, a mão de obra do bairro vai dando forma a mais casas. Não há, de resto, nenhuma rua que não tenha paletes carregadas de tijolos de betão, ou sacos de cimento, ou locais onde há montes de areia para misturar com o cimento, ignorando desta forma a ordem geral de embargo às obras em curso.


Há conjuntos de casas da mesma tipologia, com as mesmas portas e janelas, as mesmas placas a servir de telhado, construídas todas com os mesmos materiais. Suspeita Inês Medeiros, a autarca de Almada, que haverá quem faça negócio com a construção e venda destas habitações que não têm o mínimo de segurança.

"O que sei e a Câmara sabe é que aquelas casas estão a ser construídas de forma sistemática, havendo forçosamente ali alguém que tem interesses económicos, porque aquelas pessoas não estão a ir para lá a troco de nada. E estão a ser construídas sem quaisquer condições de segurança", garante a autarca.

De resto, já houve situações em que a segurança física dos moradores naquelas casas esteve em risco.

"Tivemos um problema com um coletor que passa por baixo de algumas casas que desabou com o peso. Para além de questões de saúde pública e de crime ambiental, [para as quais] os SMAS já alertaram, começamos a ter problemas da própria segurança física, porque aquelas casas não têm sequer condições de habitabilidade e de segurança".

Autarquia de Almada acusa IHRU de passividade

“A nova direção do IHRU garantiu que ia acompanhar a situação, mas sobretudo travar o crescimento do bairro. Nada aconteceu”, garante Inês de Medeiros.

“Há que tomar medidas de imediato. A nova direção do IHRU, com quem reuni, garantiu que seriam tomadas de imediato medidas, como a identificação das pessoas, o acompanhamento de cada um dos casos e, sobretudo, o impedimento que aquilo continuasse a crescer", queixa-se.

"Desde então não vimos nada. Nada. Nem sequer resposta aos e-mails e mensagens que enviamos todas as semanas". Nenhuma resposta aos pedidos de informação enviados ao IHRU, com cópias enviadas aos gabinetes do primeiro-ministro e do ministro das Infraestruturas e Habitação.


A autarca considera ainda que, neste caso, "o IHRU não pode continuar a não fazer o que é suposto", que é "salvaguardar o que são bens do Estado e garantir às pessoas um realojamento, já que é essa também a sua missão e obrigação". Ainda para mais porque não é uma instituição qualquer.

"Há momentos em que é bom lembrar que a competência da criação de habitação pública ainda é exclusivamente do Estado central, apesar de todo o esforço e colaboração que todas as autarquias dão."

E por isso, remata, o IHRU "não pode continuar a não fazer o que deve fazer".

Inês de Medeiros lembra o esforço que a autarquia de Almada tem feito para acabar com as habitações precárias no concelho, dando como exemplo o fim do Bairro Terras do Lego, na Costa de Caparica. E face a esse esforço, questiona: "Como é possível, ao mesmo tempo que fazemos um esforço tão grande para realojar pessoas e dar-lhes uma habitação digna, termos um Estado, na figura de um instituto que tem como missão primeira e única garantir a habitação pública, que deixe um bairro daqueles crescer desta forma?"

Para a autarca, o problema do Bairro de Penajóia podia estar pelo menos em parte resolvido se o IHRU fosse mais célere a responder às candidaturas de Almada ao PRR.

"Nós temos de momento uma série de candidaturas que, ou não foram respondidas, ou inclusivamente ficaram de fora das primeiras habitações que o IHRU lançou. Ao fim de quase um ano sem resposta."

IHRU garante demolições para "breve"

A Renascença pediu uma entrevista ao atual presidente do IHRU. Alegando questões de agenda, o Departamento de Relações Públicas e Comunicação enviou, por escrito, uma posição daquele organismo:

"O atual Conselho Diretivo do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, nomeado a 9 de setembro de 2024, assumiu o compromisso de trabalhar em estreita colaboração com as diversas entidades, com o objetivo de avaliar a situação atual e definir soluções para o bairro de Penajoia. Como parte deste esforço conjunto, a 3 de outubro de 2024, foi realizada uma reunião com a Câmara Municipal de Almada, onde ambas as partes firmaram o compromisso de colaboração, sublinhando a necessidade de medidas concretas e o desenvolvimento de um plano de ação para o bairro.

Em continuidade a essa abordagem, no dia 6 de novembro de 2024, o IHRU reuniu-se também com a Comissão de Moradores de Penajoia para delinear uma estratégia de ação conjunta. Esta estratégia inclui a elaboração de um diagnóstico detalhado e a caracterização da população residente, estabelecendo um protocolo que assegura o envolvimento direto dos moradores ao longo de todo o processo. O IHRU tem gerido este processo com elevada proximidade com a Comissão de Moradores e com a União de Freguesias da Caparica e da Trafaria, mediante a realização de diversas reuniões e deslocações ao terreno.

Em breve, assim que estiverem reunidas as condições de segurança e como articulado com a Comissão de Moradores, serão iniciados trabalhos de demolição das construções inacabadas e desocupadas.

Quanto ao futuro do terreno, propriedade do IHRU, aguarda-se a aprovação da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) para definir o seu destino, prevendo-se que poderá incluir a construção de habitação destinada a arrendamento acessível.

Reforçamos que o IHRU está empenhado, de forma articulada com as diferentes entidades, em encontrar uma solução para o Bairro de Penajoia."

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  • Como estás aqui?
    10 dez, 2024 País 19:23
    "Se tivesse outras condições não estava aqui" - Começa por explicar, "como estás aqui". Por certo, vieste com contrato de trabalho e tudo tratado para viveres cá, certo? Não? Também vieste a cavalo desse estropício da "manifestação de interesse" o maior atentado contra as pessoas que a Esquerdalha cometeu e consiste em "venham todos e tragam a vossa prole, que depois havemos de arranjar Social para vocês, e se não conseguirmos, pelo menos abrimos telejornais a criticar o governo", é isso?
  • Aprenderam nada
    10 dez, 2024 Bairro da Lata 18:47
    Parece que não aprenderam nada com a Cova da Moura e outras situações análogas. Hoje, uma barraca. Amanhã, outra. Depois mais 3. Em seguida mais 5, e de repente está um bairro da lata ilegal, construído nas barbas das autoridades, em que depois os moradores fazem puxadas ilegais e no fim quando finalmente as autoridades se mexem e os intimam a sair, chamam todas as ONG's parasitárias do costume e diante de câmaras de TV, só saem se lhes "derem" uma casa "digna". Acabar com situações destas, é atuar logo que aparece a 1ª barraca, não depois do bairro estar "feito".

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